A ansiedade constante de estar perdendo experiências leva a desvalorização dos outros aspectos da vida
Já ouviu aquele ditado que diz que a grama do vizinho é sempre mais verde? Ele quer dizer que nós temos a tendência de achar que a vida dos outros é sempre melhor ou mais fácil do que a nossa sem conhecer bem os desafios que eles enfrentam. Isto é, mesmo quando a nossa grama é tão verde quanto a deles.
E o chamado “fomo” tem tudo a ver com isso. A sigla -que em inglês significa “fear of missing out”, ou o medo de ficar de fora- é aquela sensação de estar perdendo algo muito importante, divertido. Ou então, quando aplicada à vida amorosa, é a vontade de terminar um relacionamento saudável só para poder “aproveitar a juventude”.
A gravidade desse sentimento pode variar, fazendo com que muitos jovens sofram com esse problema e não saibam. Isso porque ele está muito ligado ao uso ativo das redes sociais e a questões psicológicas e biológicas dos adolescentes.
O psiquiatra Cyro Masci, que atende em São Paulo, explica que o Fomo é uma forma específica de ansiedade social mas que é diferente da forma mais comum desse transtorno. Isso porque ele não provoca a fuga do contato social, mas o seu oposto. “Esse sentimento constante de ‘estar perdendo algo’ gera uma ansiedade que desconecta a pessoa do presente, fazendo com que ela sempre busque pelo próximo evento, post ou novidade”, diz.
A sensação de medo persistente, insatisfação e tristeza ao imaginar que outras pessoas possam estar vivendo experiências únicas das quais estamos ausentes geralmente é intensificada no mundo online, porque o meio virtual permite que os usuários compartilhem só os melhores momentos de suas vidas, escolhendo as partes mais divertidas, bonitas e interessantes.
Nos casos mais extremos, isso pode causar um estado de constante ansiedade e afetar diretamente a vida e as relações dos jovens, que são os principais afetados. Segundo o psiquiatra, isso acontece porque a síndrome está ligada profundamente a mecanismos cerebrais que evoluíram para garantir a conexão com o grupo social.
Como a parte do cérebro responsável pelo autocontrole e regulação emocional nos jovens ainda está em desenvolvimento, isso os torna mais vulneráveis. Isto é, são mais dependentes de estímulos de validação social, algo que as redes sociais proporcionam com as curtidas, comentários e compartilhamentos liberando dopamina, o hormônio do prazer.
Além disso, o fomo leva a comparações, autoexclusão, inseguranças e competitividade entre amigos, distorcendo a importância das amizades verdadeiras e os valores que devem ser levados em consideração nesses relacionamentos.
Outros sintomas ligados e que podem indicar que alguém está com síndrome são dificuldade para se concentrar em tarefas do dia a dia, sensação de inferioridade ou compulsão por respostas imediatas, sem falar na preocupação constante em captar momentos para compartilhar, diz o psiquiatra.
Ele também explica que a pandemia de Covid colaborou para que esse problema se intensificasse, deixando marcas nos jovens. “Ela alimentou a sensação de que a vida poderia estar passando e de que o adolescente precisava compensar essa perda através das redes”, diz. Ele aponta que o contexto intensificou a solidão e o tédio, dando às plataformas sociais o papel de alívio.
Ainda assim, mesmo após a volta à normalidade, as redes sociais ainda ganham destaque no desenvolvimento do fomo, principalmente pelo fato de que fazem parte do dia a dia. Elas têm o papel de vilãs porque distorcem a realidade, recortando e selecionando os melhores momentos dos eventos e pessoas, escondendo o que não foi tão legal assim.
Para lidar com esse problema é necessário primeiramente se dar conta de que o fomo é algo real e que pode estar afetando a vida, estudos, autoimagem e relações interpessoais. O psiquiatra reforça que o importante é adotar estratégias que fortalecem o foco no presente e ajudem a equilibrar o uso das redes sociais com a valorização das próprias experiências.
Suas sugestões de ações para ajudar superar e controlar o sintoma são divididos entre os mais práticos, como estabelecer horários específicos para usar as redes sociais, fazer regularmente um detox digital e buscar criar momentos significativos sem tecnologia. Já nos exercícios mentais, a dica é exercitar o reconhecimento e valorização do que se tem, refletir sobre o que é realmente importante para você, praticar autocompaixão, investir no autocuidado físico e emocional e praticar a atenção plena (a chamada “mindfulness“), que consiste em se concentrar verdadeiramente nas atividades enquanto a faz.
Fonte: FSP (12/11/24)
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