A gente erra o tempo todo; é provável que quase ninguém chegue ao nirvana, mas a sensação de fazer a viagem vale muito
No ano passado, fui convidado a entregar um prêmio para uma iniciativa pública voltada à diversidade. Quando cheguei ao teatro onde aconteceria o evento, tremi. Foi improvisada uma rampa mais íngreme do que a Ladeira da Misericórdia para que eu pudesse subir com minha cadeira. Fui clamando até o fim ajuda a nossa senhora da bicicletinha para vencer a empreitada de forma digna.
A cada pessoa que subia a danada da rampa, eu botava reparo no desempenho. Uma mulher de salto torceu o pé, um rapaz venceu pegando fôlego, uma outra pessoa, na chegada, agarrou-se no braço de quem já estava no palco.
Na minha vez, o apresentador esqueceu-se do meu nome. “Já começou esquisito, pensei”. Quando me posicionei para a escalada, duas pessoas vieram “do nada” e me ajudaram, com muita emoção, claro.
A entrega foi incrível, pois a vencedora, uma professora baiana, de sangue, alma e pele negros, chamou todos os competidores de sua categoria para juntos, no palco, celebrarem a vitória das vidas plurais. Bonito demais.
Tempos atrás, não haveria honraria para a diversidade, cadeirante estaria no Hospital das Clínicas e, se quisesse, ficaria vendo de longe, jamais haveria uma rampa —com a legítima intenção de incluir— para que protagonizasse momento nenhum.
Agora, a parte dois dessa conversa. Uma pessoa querida foi recentemente a um evento com um monge, algo meio na moda em tempos que estamos todos embirutando por, sincreticamente, nos faltar a paciência de Jó.
Grosso modo, o palestrante mostrou que há um senso comum sobre o que é ser um monge: um ser de extrema sabedoria, de superioridade espiritual, com um caderninho decorado de frases que fazem a gente suspirar no Instagram por dez segundos até vir alguma imagem que odiaremos e ficaremos de mau humor.
Monge Saikawa, no tempo Busshinji, em São Paulo Marlene Bergamo/FolhapressMAI
E o monge seguiu explicando que nem tudo o que acham que ele representa ou tenha como predicado é a verdade plena, que há muitos aspectos da jornada de “elevação” que ele ainda está distante, não atingiu ou que jamais chegará. Mas, ele avalia que, ao firmar o pensamento que pode ser aquilo que deseja, aquilo que esperam dele, mais próximo poderá estar do objetivo.
A gente erra o tempo todo. Somos grosseiros com quem amamos, somos cruéis com bichos, com os mais fracos, fingimos, enganamos, distorcemos, traímos, passamos para trás, inventamos, “pecamos”, controlamos, não incluímos, agimos com preconceitos e de forma inadequada, até os monges.
Por outro lado, que maravilha é termos a oportunidade de tentar sermos os monges que nos cabem, como cabem, como conseguimos e em busca de sermos melhores. É provável que quase ninguém chegue ao nirvana, mas a sensação de fazer a viagem até lá vale uma vida.
Podemos fazer a rampa que ampliará o acesso, mesmo que não a ideal, em princípio, podemos brincar de forma desengonçada, podemos adotar um bicho, podemos pedir desculpas, podemos refazer um caminho, podemos tentar aprender, podemos ouvir, podemos ser mais humildes, podemos querer fazer diferente. E namastê.
Por Jairo Marques (FSP – 12/04/23)
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