
Ele usou a própria vivência para naturalizar uma maneira de ser ou de estar na vida
Foram várias as aparições do papa Francisco em cadeira de rodas ao longo de sua jornada, inclusive, a última delas, em que deu a bênção pascal diante de milhares de pessoas.
E fez de tudo como cadeirante: soltou seu sorrisão em quem via tristeza em sua condição, saracoteou pela Praça de São Pedro —que melhorou a acessibilidade—, andou de papamóvel, rezou missa, viajou, trabalhou e celebrou o diverso como valor humano basilar de nossos tempos.
Ao contrário de muitos poderosos, que ocultam e já ocultaram vulnerabilidades físicas e sensoriais, Francisco não associou um instrumento de acessibilidade, inclusão e autonomia a uma fraqueza, a uma inabilidade ou a uma derrota pessoal.
Ele usou a própria vivência para naturalizar uma maneira de ser ou de estar na vida, inclusive propagando que podemos, vez ou outra, estar debilitados ao ponto de contarmos com os outros para nos apoiar no exercício de algumas missões. E está tudo bem!
Francisco fez tudo sem blindagens, sem lançar mão de disfarces, esses, sim, constrangedores, para estar em pé, ao custo de forças alheias, para externar uma fajuta imponência e um suposto poder.
Um papa cadeirante reforçou o alerta ao planeta sobre corpos múltiplos, com modos múltiplos de atuar em sentidos, intelecto e fisicamente. Talvez tenha sido a primeira vez na história que uma cerimônia papal tenha continuado sem apuros de protocolo e constrangimentos, quando um menino autista se aproximou do pontífice e só sossegou quando sentou ao seu lado e sentiu-se acolhido, a sua maneira.
A “santa cadeira de rodas” expôs que a fé pode e deve se manifestar de formas diversas, e que as basílicas, os terreiros, as igrejas, as mesquitas, os templos e todo e qualquer palco de devoção também deve ter portas, além de bem abertas, com estruturas bem plurais para receber a todos, a todos mesmo.
Com seu jeito, com seu carisma, com suas palavras e com suas ações, Francisco e suas rodas movimentaram também provocações –e reflexões, e cobranças e homilias— para o divinamente humano e justo grito dos povos indígenas, dos LGBTs, dos imigrantes, da justiça para a mulher.
Se propagou e rendeu esforços, durante sua jornada, para a humildade, a simplicidade e para toda existência possível, sua santidade concluiu sua história de fé personificando, de forma literal, aquilo que ainda é carregado de preconceitos, pré-julgamentos e estigmas. Foi um papa cadeirante e, assim, ampliou ainda mais o alcance de sua mensagem.
De Francisco em diante, certamente que para sempre será questionada qual é a força realmente válida para se edificar e para guiar ovelhas, para liderar grandes iniciativas, para fazer diferenças ou para simplesmente ser humano.
Representatividade importa e impacta até mesmo às portas do céu ou para aqueles que estão labutando para tentar chegar ali pelas redondezas. Os minorizados não abrem mão de estarem em todos os lugares e nossos aliados, literalmente, graças a Deus, estão por todos os lugares.
Jairo Marques (22/04/25)
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