
Estar só, quando se deseja companhia, pode ser tão nocivo quanto fumar ou viver de forma sedentária
Em minhas palestras sobre saúde mental, costumo perguntar ao público quais são os principais desafios enfrentados nessa área. As respostas mais frequentes são: depressão, ansiedade e burnout. Raramente alguém menciona a solidão —ainda que ela afete um número crescente de pessoas no mundo atual. Por que silenciamos sobre esse tema?
Primeiro, devemos reconhecer que o problema existe. Em 2023, a OMS (Organização Mundial da Saúde) criou uma comissão para investigar os efeitos da solidão na saúde pública. A partir dos resultados, classificou o problema como uma epidemia silenciosa.
É algo que afeta todas as faixas etárias, inclusive os mais novos. Segundo dados da própria OMS, 1 em cada 4 idosos se sente solitário —e, entre adolescentes, quase 15% relatam a mesma experiência.
Alguns fatores ajudam a entender essa epidemia. Um deles é o colapso das comunidades tradicionais. A urbanização acelerada, as rotinas fragmentadas e a mobilidade social enfraqueceram vínculos cotidianos. Lembra do vizinho que cuidava da casa ao lado, do comerciante que conhecia os fregueses pelo nome, da igreja do bairro ou da praça onde se sentava para conversar? Espaços de convivência cederam ao anonimato das grandes cidades.
Um caso que ganhou repercussão mundial ilustra esse cenário. Em 2020, moradores de um prédio em Londres estranharam o acúmulo de correspondências na porta de um apartamento e o cheiro diferente vindo do local. A polícia foi chamada, mas nada foi feito. Dois anos e meio depois, o corpo de Sheila Seleoane foi encontrado. Ela havia morrido, e seu desaparecimento passou despercebido por familiares, vizinhos, amigos e colegas de trabalho.
É difícil acreditar que alguém possa desaparecer por tanto tempo sem que ninguém perceba. No entanto, nos consultórios é comum ouvir relatos de pessoas que, mesmo cercadas por outras, sentem-se invisíveis.
Há também fatores demográficos, subjetivos e culturais que contribuem para o aumento da solidão. O envelhecimento da população levou muitos idosos à viuvez ou ao afastamento dos filhos. Entre os mais jovens —especialmente após a pandemia— os vínculos tornaram-se mais frágeis, e as interações passaram a ser mediadas por telas.
Adultos também estão expostos a esse problema. Soma-se a isso o ideal contemporâneo de autonomia total: muitos evitam pedir ajuda para não “dar trabalho” e acabam carregando tudo sozinhos, como se depender fosse sinal de fraqueza.
A solidão compromete também a saúde física. Estudos mostram que o isolamento prolongado aumenta o risco de depressão, ansiedade, insônia e doenças cardiovasculares. O corpo, sob estresse constante, reage como se estivesse em perigo, o que enfraquece o sistema imunológico e prejudica o bem-estar de forma geral. Estar só, quando se deseja companhia, pode ser tão nocivo quanto fumar ou viver de forma sedentária.
Estar só, por outro lado, não é necessariamente um problema. Pode ser saudável e necessário —uma forma de desfrutar da própria companhia, recarregar-se e cultivar autonomia. A solidão se torna um fardo quando não é uma escolha, mas uma consequência: da recusa dos outros, do afastamento das relações ou do sentimento persistente de inadequação no mundo. Nesses casos, o isolamento deixa de ser pausa e passa a ser peso.
Precisamos de políticas públicas e práticas comunitárias que restituam o valor do encontro. Mas também carecemos de gestos simples, como reaprender a perguntar “como você está?” com real interesse —e escutar, com paciência, a resposta.
Talvez o remédio mais urgente para essa epidemia seja redescobrir que, embora os vínculos deem trabalho, também dão sentido —e promovem saúde.
Por Daniel Guanaes (FSP 22/4/25)
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