Em entrevista ao GLOBO, Filippo Pedrinola fala sobre tratamento para obesidade, implantes hormonais, alimentação e o uso de testes genéticos na prática clínica
As pessoas ainda procuram soluções milagrosas para emagrecer?
É do ser humano querer um atalho mais fácil, mais rápido. Então, em geral, a pessoa não quer emagrecer, ela quer ser emagrecida. E isso é um grande problema, em especial porque vemos muitos casos de automedicação. Quando a pessoa compra o remédio por contra própria – e aproveito para dizer que considero uma falha a possibilidade de poder comprar esses medicamentos sem receita – e sem acompanhamento, ela usa de forma errada e passa mal. Isso é péssimo porque vai queimar o método e não vai resolver. Por isso, no consultório, a gente tem uma equipe multidisciplinar, formada por nutricionista, psicólogo, psiquiatra e busca sempre estimular a prática de atividade física.
Como é o tratamento para obesidade hoje em dia?
Claro que a gente sempre fala que remédio não muda estilo de vida, então a abordagem inicial é sempre tentar usar o mínimo de medicação possível. Mas um dos maiores desafios dos profissionais de saúde é fazer com que essa pessoa modifique os hábitos de vida, porque o excesso de peso e a obesidade também são resultado de maus hábitos, como a má alimentação. E a gente vê, no mundo todo, uma verdadeira pandemia de sobrepeso e obesidade. Aqui no Brasil, mais da metade da população tem sobrepeso ou obesidade, então é algo que tem a ver com saúde pública. Há alguns anos a obesidade já é considerada doença, dado que o excesso de gordura está associado a várias doenças crônicas como hipertensão, infarto, derrame, diabetes e câncer — e vivemos uma era dessas doenças crônicas. A obesidade é uma doença multifatorial, que tem um componente genético muito forte, mas que também está associada a hábitos de vida.
Além da alimentação, quais são os aspectos de estilo de vida que o paciente precisa alterar?
O primeiro pilar é a alimentação, sem dúvida. O segundo, é a prática de exercício físico, que talvez seja o melhor remédio da vida. Além de ajudar no metabolismo e a emagrecer, ele também libera a química da alegria, que são os neurotransmissores serotonina, dopamina e endorfinas. E hoje já sabemos que o músculo é um órgão em endócrino, que quando contraído, libera miosinas. Uma delas, chamada BDNF, é um fator neurotrófico, ou seja, que ajuda a produzir novos neurônios. O terceiro ponto fundamental de abordagem de estilo de vida é pensar nas emoções e isso inclui o gerenciamento do estresse. O estresse é feito para ser agudo. Ele era bom na época das cavernas, quando precisávamos fugir de um tigre. O problema é que hoje não tem mais o tigre e esses estímulos são constantes e quando o estresse vira crônico, ele vira tóxico e leva a modificações comportamentais, de saúde mental e fisiológicas, aumentando, por exemplo, a produção de alguns hormônios, principalmente o cortisol. Uma das ações do cortisol é alterar o metabolismo de insulina, o que contribui para a resistência à insulina e favorece o ganho de peso, principalmente na região abdominal, que é a gordura mais tóxica. O quarto pilar é o espiritual e isso não tem a ver com religião ou crença específica, mas com conexão. Com a forma como nos conectamos com nós mesmos, com amigos, familiares e com o sentido e propósito da vida. E, por fim, o sono. O sono é algo muito negligenciado e a maior parte da população tem problema de sono. Se dormir fosse perder tempo, não dormiríamos um terço da nossa vida. A privação do sono é um grande problema porque também é uma situação de estresse e bagunça uma série de hormônios. Ela aumenta a produção de grelina, por exemplo, que é o hormônio da fome e diminui a produção da leptina, que que atua no controle do apetite. Ou seja, dormir mal engorda também.
Qual é a importância de novos medicamentos, como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, no tratamento da obesidade?
As medicações que tinham disponíveis até pouco tempo atrás contra obesidade faziam efeito, mas também vinham com muitos efeitos colaterais e contraindicações. Essas canetas que têm hoje em dia, têm um mecanismo de ação através do GLP-1, age no centro da fome, diminuindo o apetite e o esvaziamento do estômago, dando aquela sensação de saciedade. E elas também têm um efeito metabólico interessante porque elas melhoram a ação da insulina e isso ajuda na parte metabólica. Quando a insulina fica muito alta, mesmo se a pessoa come pouco, ela pode ter dificuldade para emagrecer porque é como se a insulina passasse a chave na célula de gordura e a reserva de gordura dentro dessas células não consegue sair direito. Então esses medicamentos têm um papel facilitador em diminuir essa parte de resistência insulínica e isso acaba gerando um efeito metabólico muito bom também.
O senhor mencionou que a obesidade tem um importante componente genético. Esse aspecto influencia no tratamento?
Hoje existem testes genéticos que permitem ver polimorfismos que indicam tendência a ganho de peso, menos queima de gordura, maior propensão de acúmulo de gordura visceral, de resistência insulina, doença hepática não gordurosa, entre outros. É muito bacana porque esses testes ajudam a orientar o médico e até o nutricionista a fazer uma prescrição mais assertiva. Hoje existe um conceito chamado de nutrigenética, que é que aquilo que a gente come vai além do nutriente, é informação que se liga nos nossos genes e vai modular sua expressão. Então dependendo do tipo de polimorfismo, as pessoas respondem de forma diferente a determinados nutrientes. Mas é importante ressaltar que o teste genético não dá diagnóstico, mas tendências e propensões. Em aspectos práticos, ele ajuda mais do ponto de vista de prevenção a médio e longo prazo. Quando a gente pensa em medicina de precisão ligada ao intestino, por exemplo, hoje existem testes que medem os genes da nossa microbiota, que são os microrganismos que vivem na gente e avaliar a saúde intestinal também é super importante.
Quando é indicado avaliar a microbiota?
Esse é um teste que eu peço com certa frequência no consultório porque a maioria das pessoas têm queixa intestinal. Hoje vemos muito síndrome do intestino irritável, SIBO (silga para síndrome do supercrescimento bacteriano no intestino delgado), doenças inflamatórias intestinais, como Crohn e retocolite. E é comum ouvirmos desses pacientes que eles fizeram colonoscopia e “não deu nada”. Mas a colonoscopia vai ver se tem pólipo ou alguma lesão no intestino, não vai avaliar a funcionalidade. Quando fazemos o teste genético, é possível ver as populações de bactérias boas e também saber se tem bactérias ruins ou patogênicas, que são bactérias inflamatórias, além de fungos, vírus e protozoários. Isso é importante porque o desequilíbrio da microbiota intestinal, que é chamado disbiose, pode levar à inflamação. Essa inflamação pode levar a uma situação de intestino mais permeável e começar a deixar entrar moléculas prejudiciais, que vão hiper estimular o sistema imunológico porque cerca de 70% do nosso sistema imunológico está no intestino. Ao mesmo tempo que esse sistema vai te defender daquelas sequências de proteínas que entraram, pode haver um efeito no organismo algumas dessas sequências podem ser iguais a compostos do nosso corpo, como a enzima que age na tireoide, e atacar a tireoide também. Por isso a tireoidite de Hashimoto, que é a causa mais frequente de hipotireoidismo, tem muita relação com inflamação intestinal.
Mas já existe uma forma de agir nessa microbiota caso seja diagnosticada a disbiose, por exemplo?
Tem um protocolo conhecido mundialmente chamado protocolo “4 erres”. O primeiro “R” é retirar o que o que pode estar irritando esse intestino daquela pessoa, seja glúten, álcool, lactose ou caseína. O segundo “R” é repor o que estiver faltando. Por exemplo, muitas pessoas têm deficiência de produção de enzima digestivas e o processo digestivo fica prejudicado. Então você vai repor essas enzimas digestivas. O terceiro “R” é “restaurar” ou melhorar a função de barreira do intestino, deixar esse intestino menos hiper permeável e melhorar a imunidade. E o último “R” é repor probiótico, se precisar. Essa estratégia chama modulação intestinal e visa melhorar a saúde de barreira intestinal e imunológica. Além disso, se forem detectadas bactérias patológicas, fungos ou protozoários, pode ser necessário entrar com algum medicamento, como antibiótico.
Existe uma dieta anti-inflamatória?
Talvez o maior exemplo que a gente tem de dieta anti-inflamatória é a dieta mediterrânea. Então uma dieta anti-inflamatória é aquela que segue conceitos da mediterrânea, como ser rica em vegetais, verduras, grãos, oleaginosas, azeite de oliva e que dê preferência a carne branca, em especial peixe. Esse tipo de alimentação ajuda a acalmar a inflamação no organismo como um todo porque a inflamação no intestino causa uma inflamação geral, chamada inflamação de baixo grau.
Você citou o glúten e a lactose como fatores que podem inflamar o intestino. As pessoas devem tirá-los da dieta?
Isso seria indicado apenas para pessoas com algum tipo de intolerância, para quem essas substâncias fazem mal. Eu, por exemplo, brinco que sou avestruz. Nada me faz mal. Então eu como o glúten e laticínios sem problema. Mas praticamente 80% da população tem intolerância à lactose, por exemplo. Essa intolerância pode ser leve, moderada ou acentuada. Em geral, se a pessoa tem uma leve intolerância, ela precisa comer muito para se sentir mal. Pessoas com uma intolerância mais forte, se sentir mal e ter inflamação com uma quantidade menor. No caso dos laticínios, a lactose não é o único fatore inflamatório, tem também a caseína, que é a proteína do leite. Tem pessoas que não conseguem digeri-la bem e isso também inflama. Mas não é todo mundo. Sobre o glúten, um pequeno percentual da população tem doença celíaca. Mas existe uma coisa chamada intolerância ao glúten não celíaca, que já afeta uma parcela maior da população. Além disso, existem intolerância alimentares temporárias, que acontecem porque o intestino está inflamado. Nestes casos, quando a saúde intestinal melhora, a pessoa deixa de ser intolerante. Por isso que os testes de tolerância alimentar são um pouco controversos. Se a pessoa não está comendo determinado alimento, o teste vai dar negativo, mas não significa que ela não tem intolerância. Por outro lado, se ela estiver em um momento de intestino irritável ou disbiose intestinal, irá aparecer que ela não tolera bem alguns alimentos, mas em outro momento, ela pode tolerar. Então isso é dinâmico e, de fato, tem que fugir dos modismos. O ideal é se consultar com um médico ou nutricionista para ver o que é melhor para cada caso, em vez de só sair tirando tudo.
Recentemente, houve uma polêmica em relação aos hormônios implantáveis manipulados, também chamados de “chips da beleza”. O que o senhor acha disso?
Acho que a Anvisa está certa de regulamentar. Esses implantes hormonais são usados desde a década de 70. O importante é a boa indicação. Por exemplo, mulheres que têm sangramento excessivo, que tem endometriose, que precisam de reposição hormonal ou que precisam de tratamento para outras patologias ginecológicas importantes. Infelizmente, houve um abuso e mau uso porque começaram a aparecer implantes de qualidade questionável e muitos médicos não preparados para isso que começaram a prescrever de forma errada, visando, infelizmente, um lado muito mais econômico, dando substâncias que não são as ideais, para casos que não são aqueles indicados. O problema não está no hormônio porque o hormônio que é usado no implante é o mesmo usado no gel ou na pílula anticoncepcional, por exemplo. E sabemos que para muitas mulheres, a reposição por via oral não é a melhor via porque aumenta alguns riscos como trombose e câncer de mama. A reposição transdérmica, com gel, nem sempre funciona porque uma porcentagem das mulheres não absorve bem pela pele. Então os hormônios implantáveis são uma alternativa muito boa para casos específicos.
Na sua opinião, qual é o tipo de alimentação ideal?
A primeira coisa é desembalar menos e descascar mais. Ou seja, priorizar alimentos in natura. Aprender a ler rótulo também é muito importante. Se um alimento tem um monte de nome que você não conhece, procure evitar. Também existe uma necessidade muito grande de ter um equilíbrio na alimentação. Uma coisa que vejo muito são pessoas que não comem o suficiente de proteína. Deveríamos comer por volta de 1,5 grama de proteína por quilo de peso por dia. Para uma mulher de 60kg, isso significa ingerir 80 g de proteína por dia e não é fácil chegar nisso. Um ovo, que é uma ótima fonte de proteína, tem 7g; 150 g de carne, peixe ou o frango, que é uma bela porção, tem mais ou menos 30g de proteína. Então é preciso prestar atenção nisso. De forma geral, seria importante ter por volta de 20 g de proteína, por refeição. Também é importante ter fibras, que vêm principalmente de vegetais verdes, e sempre tentar comer o vegetal antes do carboidrato porque isso atrasa o pico da glicose. A mistura arroz e feijão é uma boa opção porque tem um carboidrato interessante e fibras. Frutas também são saudáveis, mas o ideal é fruta é consumi-la como sobremesa porque elas têm muita frutose, que é um açúcar. Outro ponto importante é procurar não pular refeições, apesar do jejum intermitente estar na moda.
Por que não se deve pular refeições?
O jejum não é para todo mundo. Algumas pessoas passam mal, em outras, o jejum prolongado pode despertar uma compulsão alimentar no final do dia. Ou a pessoa pode ficar muitas horas sem comer e ter mecanismos compensatórios, comendo mais depois ou optando por alimentos pouco saudáveis. Por outro lado, para algumas pessoas, o jejum pode ser ótimo.
Quais são os benefícios do jejum intermitente?
O jejum intermitente desperta um maquinário no nosso corpo de melhora de vias que melhoram o metabolismo e a proteção contra o envelhecimento e degeneração das células. Mas não precisa de muitas horas de jejum nem fazer todo dia para ter esse benefício. Por exemplo, uma ou duas vezes por semana de jejum de 14 horas, por exemplo, pode ser muito bom. Então acho que o jejum pode ser interessante pensando na questão de longevidade e saúde porque essa estratégia não tem nenhum benefício adicional em termos de emagrecimento.
Ref. O Globo (01/12/24)
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