Tema delicado, de interesse geral, que não deveria ser evitado
Lamentei que o artigo da semana passada tenha dado brecha para que parte da discussão se prestasse ao corporativismo. Não se trata de apontar dedos para essa ou aquela escola, estão todas premiadas pela mesma urgência, mas de revelar as contradições estruturais que o trabalho de inclusão em instituições de elite, se quiser ser considerado sério, terá que enfrentar.
Não há lugar seguro para uma criança preta, pobre, periférica, LGBTQIA+ hoje. Seja caminhando na rua, seja pela bala perdida na sala de casa, seja no elevador do prédio da patroa da mãe, a ameaça a que estão submetidas essas pessoas em nossa sociedade é onipresente.
Iniciativas dignas de respeito encampadas por essas instituições não podem se basear na fantasia de que boas intenções são suficientes. Há uma questão estrutural, e a escola é palco privilegiado de sua encenação.
Desde que a classe média abandonou a luta pela escola pública de qualidade e transferiu suas esperanças de ascensão social para a entrada na escola privada, vemos que essa se tornou uma das empresas mais lucrativas do país.
As escolas de elite, ao abrirem suas portas para o Brasil real, não podem ignorar o desafio e a potência desse projeto, sob pena de recolherem os piores resultados e perderem a chance preciosa de se reinventar. Um projeto pedagógico que forma alunos ricos sem encarar a realidade nacional reproduz uma legião de pessoas despreparadas para a vida em sociedade. Salvo se entendermos sociedade como a da “coluna social”, na qual uma elite racista e misógina desfila seu lugar de exceção dentro de um país absolutamente desigual.
Engenheiros que não pensam no espaço público, médicos que tratam de forma indiferente populações excluídas, psicólogos autoritários, professores que se negam a transmitir a formação histórica deste país… Enfim, muitos são os exemplos do profissional formado para repetir o pior e não para enfrentá-lo.
As violências acontecem todos os dias, em todas as instituições de ensino, privadas ou não, porque o encontro com a diversidade, marca do ambiente escolar, está sujeito a isso. Mas existem políticas mais ou menos eficientes para lidar com o problema. Elas vão da filantropia avestruz, de quem acha que só merece receber gratidão pelo gesto magnânimo de acolher alguém pobre, ao custo pessoal altíssimo de quem se vê implicado na solução de um problema que levará gerações para ser sanado.
Escola Municipal General Osório, na Vila Prudente (zona sul); caso de violência de dois alunos contra a diretora do colégio foi parar na del Rivaldo Gomes/FolhapressMais
A primeira nega a violência inerente a esse encontro, somando vítimas; a segunda descobre sua própria humanização a cada volta, na condição de admitir o próprio racismo, classicismo, homofobia…
Não existe programa de bolsas, de inclusão ou de ações afirmativas que possa se dizer livre de riscos hoje no país, pois as crianças são a bucha de canhão de grupos sociais apartados. São elas que estão dando a cara a tapa numa situação onde se supõe erroneamente que deveriam aceitar a violência calada.
Projetos de inclusão e permanência sérios exigem: trabalho de letramento oferecido aos responsáveis por educar e proteger as crianças, o que inclui pais e todos os funcionários; espaço para reflexão sobre acontecimentos reais dentro da instituição; coerência e consistência das sanções nos casos de violência comprovada; acompanhamento sistemático de alunos e de educadores que entram na instituição nessas condições de exceção.
Menos que isso é mexer com radioatividade sem saber que aquilo que pode curar, quando mal administrado, também pode matar.
Por Vera Iaconelli (FSP 27/8/24)
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