Exercício do sentir
“Para viver em estado de poesia
Me entranharia nestes sertões de você
Para deixar a vida que eu vivia
De cigania antes de te conhecer.
De enganos livres que eu tinha porque queria
Por não saber que mais dia, menos dia
Eu todo me encantaria pelo todo do teu ser”.
(“Estado de Poesia” – Chico César)
A professora de Literatura desafiou a meninada. Foi teste-surpresa! Assustada, raivosa, temerosa e indignada, a turma mal sabia que que aquilo menos tinha a ver, assim, de supetão, com alguma necessidade de avaliação dos aprendizados e aptidões artísticas da galera, mas que dialogava mais com uma saudade entranhada, cultivada, latente, que distendia as fibras e pulverizava as ideias da mestra. Um contagiante estado de poesia.
“…É belo, vês, o amor sem anestesia
Dói de bom, arde de doce
Queima, acalma, mata, cria”…
(Idem)
A música não lhe saía da cabeça, a imagem, favoritada, piscava no seu celular… Intercalava os tempos entre responder às dúvidas da turma e orientar as técnicas de criação empregadas com a entrega dos pensamentos ao rascunho do exercício próprio de poetizar. Poetizava as lembranças, os sonhos, desejos, desvarios e devaneios… E tudo lhe soava poético de volta. Plumas leves, quase invisíveis, a imaginar.
Sem saber ou sem o sentir, a turma experimentava um sopro do maior aprendizado que poderia carregar para a vida inteira: a alta e altruísta vibração de puro sentimento.
Foi, então, que completou a tarefa mental numa fluidez de pensamentos, dentro daquele compartimento paralelizado da cena real:
“Meu grande amor,
Todos os dias sou inundada pela sua presença doce e aconchegante, sussurrando, como brisa suave em meus ouvidos, que está tudo bem e que sempre foi assim. Até nos momentos mais desafiadores ou sob bombardeios de medos, irritações ou angústias, percebo, hoje, uma razão para existir e por pertencer àquelas experimentações.
Sou grata, desde todo o sempre, por lhe conhecer e saber que move-se em encantos, lutas e vivências por onde quer que transite, a iluminar e a preencher os espaços com uma energia muito própria e criativa da realidade ao seu redor.
É esse estado radiante e meditativo que me impulsiona também a ocupar vazios e a acender caminhos singulares até uma esquina qualquer de entrelaçamento e de surpreendente convergência.
Há muita intensidade e confiança na liberdade dos nossos passos; Há sinais, marcas e sentidos, emanados em fragrâncias e em inspirações dessa realidade manifestada que nos alcança pelo puxar de um cordão de sincera cumplicidade, que se estende intuitivamente ao infinito.
Temos a Lua por testemunha e o Sol como nutridor cotidiano desse bem querer, que se renova e se fortalece a cada amanhecer.
Voa alto e longe. Mergulha na essencialidade do próprio coração. Este ponto exato e paciente do encontro e da fusão das almas que relampejam no fundo dos nossos olhos e nas projeções dos mais lúcidos sonhos, que embalam as nossas consciências despertas”.
“… Chega tem hora que ri, de dentro pra fora
Não fica, nem vai embora
É o estado de poesia”.
(“Estado de Poesia” – Chico César ).
por Thea Tavares (do blog Zé Beto)
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