Entre outras bobagens alardeadas por muitos ‘gurus de academias’, está a de que crianças não podem fazer exercícios de força
Por Miguel Ángel Gómez Ruano e Gema Torres, El País
Quem nunca se achou ignorante em relação ao treinamento de força ao começar a frequentar a academia? Essa sensação é potencializada ao conversar com os “coaches fitness” ou crossfiteiros, pessoas que parecem verdadeiras autoridades sobre como transformar gordura em músculo e hipertrofiar até o menor músculo do corpo, apenas dando algumas orientações sobre como se exercitar.
No entanto, é preciso refletir primeiro se essas boas intenções correspondem a opiniões genéricas ou se são baseadas em conhecimento científico: com o primeiro, podemos nos lesionar, enquanto com o segundo, seguimos um treinamento adequado. Vamos ver a seguir alguns dos mitos mais difundidos entre os “coach fitness”.
Um crossfiteiro sempre dirá para tomar cuidado ao parar de treinar, porque o músculo pode se transformar em gordura, ao contrário do que acontece durante o treinamento. Porém, isso está muito longe da realidade, a evidência científica é clara a esse respeito: gordura e músculo são tecidos com estruturas e funções diferentes.
Enquanto o músculo é composto por fibras musculares que podem aumentar de tamanho (hipertrofia) com um treinamento planejado e diminuir se o treino parar (hipotrofia), as células de gordura (adipócitos) podem aumentar de tamanho quando há um aumento excessivo na ingestão calórica.
O que muitas vezes acontece é que os crossfiteiros consomem mais calorias quando treinam, compensando o gasto calórico com exercícios, mas ao parar o treinamento, continuam consumindo a mesma quantidade de calorias. Assim, geram um aumento das células de gordura à medida que o período de inatividade avança.
O risco de marcar o tanquinho
Os “coach fitness” sempre terão o tanquinho bem definido. Isso costuma indicar aos outros frequentadores da academia que eles sabem os melhores exercícios para o treino. No entanto, é preciso cautela, porque às vezes são realizados exercícios com uma posição ou movimento inadequado, que podem causar mais danos do que benefícios.
Não se deve cair na armadilha de fazer uma execução rápida ou aumentar a tensão na região abdominal. A região lombar, por exemplo, pode ser comprometida por causa de algum exercício que exija a elevação das pernas.
Obviamente, considerando o aspecto saudável e específico de uma modalidade esportiva, pode ser interessante ativar certos grupos musculares e, portanto, ampliar a variedade de posições. Daí a importância de seguir as orientações de um profissional. É necessário ter em mente que a região superior do reto abdominal se contrai com mais força do que a inferior nos diferentes exercícios que realizamos. Por isso, é preciso priorizar a qualidade do exercício em vez da quantidade (tensão ou velocidade).
Por outro lado, deve-se considerar que é recomendado um bom trabalho nos músculos abdominais e no assoalho pélvico, exercitando toda a musculatura em vez de apenas o reto abdominal para marcar o tanquinho. Às vezes, um trabalho inadequado pode resultar em problemas urinários, especialmente em mulheres. Portanto, é importante não seguir sempre os conselhos da moda e fazer apenas os exercícios corretos e orientados por profissionais para obter benefícios à saúde.
Mais peso ou mais repetições?
Outro objetivo ao treinar força para grande parte da população é a hipertrofia. Estudos científicos que analisaram maneiras de aumentar a massa muscular mostram que não é necessário fazer muitas repetições até a falha muscular, já que a hipertrofia muscular pode ser alcançada independentemente da carga usada no treinamento.
No entanto, com cargas mais altas, a força muscular é melhorada em comparação com o uso de cargas mais leves. Quanto ao uso de um método de séries até a falha, reduzindo o descanso entre as séries, ou de maneira mais tradicional usando cargas moderadas a baixas, os estudos afirmam que é possível aumentar a massa muscular com ambos os métodos.
Alongar ou não alongar?
As evidências científicas também esclarecem se devemos ou não alongar entre séries e exercícios. Quando o alongamento é passivo e de baixa intensidade, não ocorrem mudanças benéficas no tamanho e na estrutura muscular, enquanto o alongamento que envolve tensão com cargas ou ativação muscular pode levar ao aumento da massa muscular.
Nesse sentido, não é preciso ouvir o crossfiteiro, mas sim um profissional de educação física que indique a melhor maneira de treinar, de acordo com nossas necessidades e disponibilidade de tempo. Para saber se é necessário alongar antes de fazer exercícios ou não, deve-se aplicar o bom senso: os alongamentos durante o aquecimento ajudam a evitar lesões devido a um excesso de tensão muscular durante o exercício seguinte.
Quanto ao uso passivo ou dinâmico, dependerá do tipo de esforço necessário no treinamento: um alongamento dinâmico será melhor para preparar os músculos para esforços de alta intensidade, enquanto os alongamentos passivos ajudarão a melhorar a flexibilidade e a amplitude de movimento das articulações.
Força para crianças e idosos
Além disso, existem crenças de que o treinamento de força não deve ser aplicado em crianças, porque isso reduziria o crescimento. No entanto, isso não é verdade.
A Academia Americana de Pediatria estabeleceu em 2008 um guia sobre os benefícios do treinamento de força em crianças e adolescentes, nos quais afirmou que o treinamento melhora a força muscular e ajudará a reduzir lesões. Mas isso deve ser feito desde que o exercício seja focado em carga, volume e técnica apropriados, e a rotina seja supervisionada por profissionais, em aulas de educação física e atividades esportivas extracurriculares.
Por fim, não devemos esquecer os idosos, pois erroneamente acredita-se que quanto mais velhos, menos treinamento de força devem fazer. Na população adulta e idosa, a musculação não deve ser esquecida, dado que há vários benefícios para a saúde, como reduzir a fraqueza muscular e a perda de mobilidade.
Pra eles, o treinamento deve começar com cargas e volumes baixos para permitir a progressão com exercícios de intensidade moderada a alta. Até mesmo em idosos octogenários, foi observado como um treinamento multicomponente, incluindo trabalho de força, pode melhorar a condição física.
Além disso, é importante eliminar a ideia de treinamento de força como algo exclusivamente associado a máquinas de academia ou àquela imagem que se costuma ter de um rapaz fazendo supino. O treinamento de força é muito mais abrangente. É recomendado para crianças, idosos, mulheres grávidas, doentes crônicos, etc. A chave é se colocar nas mãos de um profissional que possa orientar individualmente a rotina adequada para cada caso.
Fonte: OGlobo 08/08/23
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