Orlando Chaves: primeiro cego com curso superior no Brasil
Com certeza, a grande maioria das pessoas que passa pela Rua Professor Orlando Alves Chaves, no bairro Portão, em Curitiba, desconhece a trajetória desse importante paranaense. Por isso, aproveito a data de hoje, Dia Nacional do Cego, para homenageá-lo ― o que, aliás, já fiz, com mais detalhes, no meu livro “Histórias e Memórias do Instituto Paranaense de Cegos”*, lançado no ano passado.
Orlando Alves Chaves nasceu em Ponta Grossa, região dos Campos Gerais, no Estado do Paraná, em 30 de junho de 1924. Ainda criança, ficou cego, após um acidente no pequeno comércio de seu pai, quando uma lata de potassa cáustica caiu sobre seu rosto, queimando seus olhos.
Com o ocorrido, a família se mudou para Curitiba, onde o engenheiro Máximo Asinelli passou a cuidar da sua educação, matriculando o garoto na escola da professora Carolina Moreira Santana. O jovem, depois de ser alfabetizado e concluir o curso primário nessa escola, fez o exame de admissão ao curso ginasial ― ficou em 1º lugar ―, porém teve sua matrícula indeferida, apesar da boa vontade dos professores e dos diretores do Ginásio Belmiro César.
Contudo, seu “protetor” não desanimou e foi ao Rio de Janeiro procurar os poderes competentes para solicitar a matrícula, com o apoio do jornal Diário da Tarde, que pedia ajuda das autoridades na procura de uma brecha na legislação ginasial. Alguns meses depois, foi aprovado o Parecer nº 291, da Comissão de Ensino Secundário, do Conselho Nacional de Educação, que permitiu a matrícula solicitada, com base no Plano Nacional de Educação.
O relator desse parecer foi o professor Cesário de Andrade, que, mesmo indicando não ser possível a educação conjunta de alunos cegos e alunos videntes, concedeu a matrícula, pois, nas suas palavras, seria “profundamente doloroso” que, além do “cárcere das trevas”, o requerente fosse privado do “bálsamo espiritual” que tanto o ajudaria a quebrar o “ceticismo próprio” da “grande desgraça” que era a cegueira. Com isso, em dezembro de 1938, Orlando Chaves, ao ser aprovado para o 2º ano, ganhou gratuidade para todo o curso secundário no Ginásio Belmiro César, onde já estava “matriculado condicionalmente” até conseguir, enfim, o deferimento no Conselho Nacional de Educação.
Durante seus estudos, graças à generosidade de Máximo Asinelli, o jovem foi “aparelhado” com o que tinha de mais avançado, nos países desenvolvidos, para a educação de alunos cegos. Desse modo, Orlando aprendeu música, leitura e escrita pelo sistema braille, datilografia (fazia suas lições na máquina de escrever), geografia com mapas em relevo trazidos da Alemanha e matemática com materiais adaptados. Também, com uma máquina de escrever braille e o apoio de familiares, o aplicado aluno transcreveu os livros usados no ginásio.
Após concluir o ensino secundário, Orlando Chaves buscou ingressar no ensino superior, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade do Paraná. Isso motivou, em 1943, o Parecer nº 144, da Comissão de Legislação, do Conselho Nacional de Educação, que considerou o seu ótimo desempenho em cursos anteriores e, assim, autorizou a inscrição do estudante cego no vestibular, afirmando o seguinte: “atendendo-se a situação anormal do requerente, devido ao mal de que sofre, impõe-se a inovação da equidade com o seu humanitário efeito de abrandar o rigor da lei”.
Em 8 de dezembro de 1946, Orlando Chaves recebeu seu diploma de bacharel em Letras Clássicas, pela Universidade do Paraná, e, no ano seguinte, com o pedido da diretoria do Instituto Paranaense de Cegos, foi nomeado pela Secretaria de Educação e Cultura para o cargo de “professor pelo método braille”. Na instituição, além de professor do curso primário, Orlando Chaves criou um curso de braille por correspondência, com o objetivo de orientar as famílias do interior para a educação domiciliar das pessoas cegas, e um “Departamento de Consultas” para atender as pessoas cegas e suas famílias, com informações, conselhos e sugestões. Além disso, o professor preparou na instituição alunos para o curso ginasial em escolas comuns, visto que segundo ele eram inegáveis as vantagens da educação dos alunos cegos junto com os alunos videntes nos diferentes níveis escolares, como, por exemplo, uma mais rápida e completa integração social.
Em 1955, Orlando Chaves foi colunista do jornal O Dia, no qual em uma série de publicações semanais, com profundo e atualizado conhecimento, escreveu sobre a educação, a recuperação e a integração social das pessoas cegas no Paraná e no Brasil. Em 1958, o professor foi delegado no I Congresso Brasileiro de Cegos, realizado na cidade do Rio de Janeiro, com a participação de mais de 70 delegados e representantes de instituições especializadas de todo o Brasil, defendendo na ocasião a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que declarava de utilidade pública federal o Conselho Nacional para o Bem-Estar dos Cegos.
Com esse percurso educacional, Orlando Chaves, de acordo com o jornal O Dia, de 5 de maio de 1953, foi o primeiro aluno cego no Brasil a cursar o ginásio e concluir o curso superior, sendo que nenhuma informação encontrada na pesquisa para meu livro, citado no começo desse texto, derruba esse pioneirismo do professor paranaense. E um fato interessante, que enriquece ainda mais essa história, é que o acesso ao ensino superior por pessoas cegas no Brasil só foi oficialmente garantido em 1953, pelo Conselho Nacional de Educação, com o Parecer nº 50, de 6 de março, que recomendou que os exames vestibulares e as provas, durante o ano letivo, fossem feitos em máquinas de datilografia.
Orlando Alves Chaves faleceu prematuramente em 17 de julho de 1960. Em 21 de setembro de 1962, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou a Lei nº 2.199, que autorizou o Poder Executivo a denominar uma via pública da capital de “Rua Professor Orlando Alves Chaves”, também citada no começo desse texto.
Agora, quando você passar por essa rua, você já sabe que ela recebeu o nome de um importante e pioneiro professor paranaense. Que sua bonita trajetória sirva de combustível para nossa luta diária por uma educação inclusiva de qualidade para todos e todas.
* Todas as informações desse texto foram retiradas do livro.
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