Cada acordar é um estranhamento. Nunca é igual mas é sempre sobre a mesma coisa, a mesma aflição. Nunca chega o dia em que o despertar não carregue a mesma substância. E eu almejo.
Levanto e faço a mesma rotina tal qual juro, pra mim mesma, que vai me distanciar desses devaneios ambiguamente cotidianos, onde “cotidiano” é outra coisa que me frustra. Mas não adianta, sua casa é no caminho que faço todo dia. Me forço a olhar pra outras direções, pensar em diversas outras coisas, que no fim, ainda carregam um objetivo que te envolve, mesmo tentando te divergir.
Desperdiço duas ou três crônicas que finjo ler em algum lugar específico, que mapeio na possibilidade de um encontro falsamente ocasional, em que talvez me veja e tenha pensamentos que me envolva mesmo que por alguns segundos. Me contento e me envolvo com migalhas de possibilidades, que às vezes acontecem, mas na maioria não. Na quarta crônica mal lida, prometo pra mim mesma que saio dalí. E saio. Mapeei alguma coisa errada.
Engulo cada colher de almoço na esperança que junto vá digerir outro pensamento que forço fazer passar. Lembro de ter comentado da minha forma de manejar talheres. Na décima quarta colherada, decido me forçar a parar de pensar.
Consigo por momentos longos me distrair. Recapitulo-os posteriormente, orgulhosa de não ter lhe inserido em nenhum. Não sei ao certo, junto a esse pensar, se caberia como um avanço ou um retrocesso. Ambígua novamente. Me frustro novamente. Penso em você novamente. Continuo seguindo.
Tento escapar de pensamentos momentâneos em cada lugar que lhe faz lembrar, mas que não necessariamente esteve inserido, já que, na realidade, sou eu que, miseravelmente, transformo-os em uma possibilidade de sua inserção.
Sento as vezes no mesmo acento do ônibus que um dia resolveu sentar ao meu lado, e entre vários conhecidos e esperados pensamentos, tento resolver comigo mesma se queria que aquele dia tivesse acontecido realmente, enquanto me policio pensando que não é excluindo bons momentos passados que me fará esquecer, esquecê-los seria de uma profunda arrogância de expectativas repetições. Estrago pensamentos pretéritos e possibilidades (criadas) futuras com essa mania de expectativas e de decifrar o futuro que minha psicóloga insiste em evidenciar que carrego.
Passo pelo seu ponto de ônibus na volta. Hoje de manhã você estava lá. Te vi e ri da “coincidência”. Percebo uma desistência de sentimentos antes tão aflorados em mim e que previamente foram repreendidos. Nisso, qualquer parte da minha cabeça que carrega, ou não, uma saúde mental, concorda que podiam não terem sido aflorados, podia previamente ter os coagidos.Talvez eu tivesse aproveitado de fato, aí ja começo a discordar. Volto ao pensamento, não ter deixado aflorar, e volto também à concordar.
Janto mais uma luta de pensamentos que vem e que expulso. Cada vez mais nas colheradas antecedentes à decima quarta.
Engraçado é que nem carrego mais interesse em você. Me instiga a comparação entre invenções minhas sobre você criada em hiatos de contatos e a suas características reais de fato. É nesse esmero que sustento esse sentimento abstrato. Mas não existe brecha, e não sei distinguir personalidade de desinteresse, aí piora.
Acho que agora você só cabe como devaneio, ambiguamente construído nas expectativas alimentadas em micro encontros e interações.
Deito e suplico ao menos para não sonhar
Carolina Silvestrini
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