Dados da Pnad indicam que o grupo social tem renda muito baixa, pouca escolaridade e quase nenhum acesso ao trabalho
A gente não anda, não enxerga, tem o escutador de novela avariado, é meio trelelé das ideias e vejam só o que as estatísticas, estas danadas que, segundo os sábios, qualificam os debates, acabam de externar de maneira crua e contundente: somos também muito pobres, com pouca ou nenhuma escolaridade, não conseguimos trabalho e, quando conseguimos, ganhamos a metade da média do que ganha o trabalhador brasileiro.
Os números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) relativos às pessoas com deficiência, que foram exibidos nos últimos dias em cantinhos midiáticos aqui e ali, embora não sejam necessariamente inéditos, dão oportunidade para, mais uma vez, apavorar quem ainda acredita que dá para salvar a raça humana.
A tragédia da deficiência só não é mais explícita no país porque a realidade é tão excludente que as pessoas vivem os apertos de sobrevivência dentro de casa e pouco as afoitas câmeras que tacam as desgraceiras para as redes sociais conseguem captar.
Luan Almeida (esq.), Adenilson Santos e João Marcos Ribeiro (ao fundo), com síndrome de Down, cuidam do viveiro da Prefeitura de Campinas
Segundo a estatística, o grupo tem hoje 18,6 milhões de corações e almas com mais de dois anos, o suficiente para lotar alguns Kombis rumo à diferença de nossos pais. Quase a metade desse povo tem mais de 60 anos, ante 12,5% da população sem avarias declaradas.
Somente esses dados me parecem suficientes para bater o bumbo da emergência humanitária em curso. Somos velhos, sem instrução básica –a taxa de analfabetismo é quase cinco vezes maior do que na população sem deficiência– com demandas físicas, sensoriais e intelectuais.
São viventes de cidades com acessibilidade vergonhosa e sem planejamento estratégico para dar condições de cidadania à diversidade, exposta a todo tipo de etarismo e capacitismo –primos pobres do racismo e da homofobia— sem gerar comoção ou revolta.
As políticas públicas e o pensar político a respeito dessa lacuna de abraçados socialmente ainda são atravessados por amplos debates ideológicos, com impacto questionável –e ainda com sopros assistencialistas—, e pela falta de representatividade nos Poderes.
Um reempacotar do plano Viver Sem Limites, sem dúvidas a maior ação já realizada no Brasil voltada à pessoa com deficiência, mas com espírito de uma década atrás, está em curso, mas nada me empolga na mistureira entre questões de saúde, de identidade e de assistência.
Os números da pesquisa dão um recado claro para tomadas de iniciativas voltadas à renda, ao trabalho e ao acesso à educação inclusiva. Medidas para o mundo real, sem aquele papo de arranjos “multisetoriais” que são bonitos de pensar e congelantes no agir.
A conta de um salário médio de R$ 1.860 –contra R$ 2.690 das pessoas ocupadas sem deficiência– e uma cadeira de rodas de R$ 20 mil, R$ 30 mil e até R$ 50 mil não fecha. Também me parece insuportável ver uma categoria de gente sem instrumentos básicos de educação, com um percentual de 25,6% de concluintes do ensino médio.
Embora bastante efetiva, a Lei de Cotas precisa de ajuste e fomentos à luz do trabalho remoto, inclusão no setor público e surgimento de novas carreiras, o custo da deficiência tem de ser encarado como questão de toda sociedade e não um “azar do destino”, os governos têm de parar de fechar os olhos para desonerações que incluam e que deem dignidade.
A gente precisa se preocupar em acordar desse contínuo pesadelo matemático, com efeitos bem reais e devastadores sobre a diversidade humana, sobre as pessoas com deficiência.
Por Jairo Marques (18/7/22 FSP)
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