‘Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo’ propõe com genialidade a revisão de nossas decisões
Meus amigos não aguentam mais me ouvir falar de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, que vai concorrer ao Oscar de melhor filme neste ano. O que me fascinou na obra foi a provocante discussão sobre o peso de nossas escolhas e as consequências que elas vão gerando na vida, tanto as grandes, como os enlaces românticos, como as rotineiras, do tipo onde faremos as compras.
Todas as nossas decisões sobre formas de amar —e a quem amar— , sobre as artes que paramos para apreciar, sobre os estudos que nos debruçamos a fazer moldam o tipo de resposta que teremos na jornada da existência. Cada caminho com sua própria paisagem, buracos, belezas e asperezas.
Parece óbvio, parece que está na cara que é assim, mas, muitas vezes, temos um catálogo de opções restrito diante de nossa condição ou diante daquilo que conseguimos enxergar. É neste momento que experiências, vivências e convivências diversas são determinantes.
É na pluralidade da fé, das cores, das formas afetivas, dos modos de sentir, das maneiras de ser, dos jeitos de acreditar, das gerações que nos aproximamos que fazem multiplicar as percepções de “certo e errado”, de “bom e ruim” e, consequentemente, nos afastam da armadilha das “únicas escolhas” que restam.
O poder de quem nos rodeia é imenso também no processo de decidir rumos a seguir. Até que ponto a vontade do pai —e sua mala de valores e olhares— prevalece sobre o desejo de um filho? Em que momento nossos amantes subtraem ou somam argumentos em relação a nossos grandes amores? Como a fala de um vizinho reverbera em meus discursos?
Mais uma vez, nesse caso, o contato, as trocas e o entendimento das diversidades podem ser impactantes. Olhar o que foi vivido com experiências mais diversas no presente serve tanto para não nos punirmos pelos desconhecimentos e pelas posturas que assumimos —aquela irmã gay que ninguém nem percebia os desejos, o amigo negro sempre tratado de “moreno”, a tia velha reclamona— como também para guiar passos futuros.
A genialidade da trama, a meu ver, porém, não mora na construção de uma angústia pelo que não fomos versus a projeção de uma bela vida que poderíamos ter tido, com o requinte da opção ficcional de conseguir experimentar “tudo ao mesmo tempo”.
A genialidade vem da reflexão de nos darmos a chance de examinar melhor nossas práticas agora, com o que temos, com as pessoas que podemos alcançar, com os valores que podemos remodelar, ampliar e rever, apenas espiando o passado.
Por fim, é certo haver outras formas de interpretar o mesmo filme, que ora é ação, ora é comédia, ora perambula pelo drama e pela ficção científica. Bem plural, bem “maraviwonderful”.
Por Jairo Marques (FSP)
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