É no colégio o ambiente maior de experimentação, de troca de valores, de aprender com experiências e bagagens variadas
Eu já tinha passado uma raiva danada porque no dia da apresentação de final de ano da biscoita —minha filha Elis, de sete anos—, ninguém na escola, aparentemente, sabia onde estava o raio da chave que aciona a plataforma elevatória que levaria o único pai cadeirante presente ao teatro onde rolaria o evento.
Chama o bombeiro, a diretora, a inspetora, o padre, o chaveiro e ninguém dava conta de fazer o básico, liberar o acesso do elevador, feito justamente para facilitar a vida de pessoas com questões de mobilidade.
“Não começa enquanto o pai não estiver lá dentro”, ordenou o diretor, mais suado que tampa de marmita. Mas, finalmente, acharam a chave e o espetáculo começou.
Com a emoção natural de pai babão vendo a filha desfilar por uma história que contava a necessidade protegermos o mar e as criaturas marinha, fui tomado de euforia quando um grupo de crianças começou a cantar:
“Quem te ensinou a nadar? Quem te ensinou a nadar? Foi, foi, marinheiro, foi os peixinhos do mar”. Além da fofura natural, uma menininha de cabelos escuro, batendo no ombro, saltava e sorria pelo palco em total contraste com o restante da turma, toda organizada, em fila, coreografando um balanço de ondas.
A garotinha ia de um lado para o outro, sorria, de repente, fazia uma performance no chão e voltava a pular, não totalmente no ritmo da canção, mas no ritmo de sua felicidade, de suas possibilidades de interação e entendimento, no ritmo de estar incluída e poder ser quem é.
Ter crianças que representem as diversas vertentes de estar vivo dentro da escola, da escola do seu filho, é uma oportunidade única de ele experimentar a proximidade com vidas vividas de maneiras distantes das redomas da rua, da família e atadas com o anseio e com o movimento que o mundo faz de harmonizar a existência com a pluralidade de ser, de estar e de permanecer.
Pedro, 14, ao lado da professora Vanessa Albano, que o auxilia na aula de ciência Danilo Verpa/FolhapressMAIS
“Pai, você nem reparou, mas no coral de Natal também tinha um colega com autismo. Maravilhoso, pai. Ele estava tão feliz. Cada um tem que ser o que é, né, pai? Ainda bem que na escola tem crianças com deficiência, de outros lugares do mundo, raças. Falta um indígena, pai.”
Inclusão escolar não é somente “botar para dentro dos portões”, é construir, junto com a comunidade escolar, maneiras de harmonizar as demandas específicas de uma criança –se assim ela as tiver— com os demais. Não é isolar, é botar para cantar junto, mesmo que o som saia por um computador, por movimentos, com o dobrar da pestana.
É no colégio o ambiente maior de experimentação, de troca de valores, de aprender com experiências e bagagens variadas que podem vir do professor, do livro, das “internets” e também, fundamentalmente, da interação entre os alunos.
Questione se o ambiente onde os seus estudam “aceita” —termo que devemos combater pela desumanidade do contrário— alunos os mais diversos possíveis em suas potências físicas, intelectuais e mentais. O saber das relações humanas jamais será encontrado na uniformização do aprendizado.
Quando mais avançarmos nisso como sociedade, menos elevadores vão precisar de chaves, mais todos nós teremos maneiras de abri-los, de cantar sem música, de ver com emoções, de ouvir com gestos, de entender para além das limitações que habitam a nossa forma de olhar para o mundo e para as crianças, estas, sim, doidas para serem plurais.
Por Jairo Marque (FSP 18/01/23)
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