No mundo imagético das redes, a escrita acabou se tornando diferencial e surpreendente
O Gabi foi o orador de sua turma na formatura do 5º ano. Caprichou no visual, fez pose de sabichão e deixou que a voz do computador soltasse com tudo sua poesia que marcaria para sempre a memória dos colegas naquele ritual de passagem.
“A todos aqui presentes, construímos muitas memórias e com amor nos despedimos!”, disse ele, com o auxílio eletrônico, para alvoroço da turma e professores aplacados pela emoção.
Com uma deficiência severa que compromete que sua comunicação seja feita de maneira tradicional, o moleque cumpriu sua missão lançando mão da tecnologia. Pouco importa o meio, a palavra bem escolhida, abraça, cativa, envolve, marca a vida da gente.
Certa vez, o filósofo René Descartes foi incumbido de escrever uma obra que tentasse tirar uma princesa da tristeza infinita que vivia. O iluminista fez brotar “As Paixões da Alma”, mas, até onde se sabe, não conseguiu aplacar em definitivo o desgosto da nobre.
Por trás da história, mora uma motivação permanente de quem se atreve a escrever: provocar algum tipo de mudança, de mobilização, de movimento. Pode ser um bilhete deixado na lancheira do filho, uma carta para alguém distante, um tuíte para quem precisa de inspiração depois de alguma tormenta, um discurso de final de ciclo.
O sentimento, o conhecimento e as emoções decantadas em palavras se multiplicam em histórias recontadas, ganham novos adornos e adendos, mas seguem com poder. No mundo imagético das redes, a escrita acabou se tornando diferencial e surpreendente.
Leitores cativos me pediram para enviar o “Crônicas para um Mundo mais Diverso” pelos Correios dedicados e autografados, como se pegassem das minhas mãos. Da Chapada dos Guimarães, passando por Boa Vista, Porto Alegre, Sorocaba e Niterói, foram centenas de exemplares. Para cada um, mandei um afago diferente, celebrando as iguais diferenças expostas na obra.
O mais interessante foi o processo posterior. As pessoas foram para as “internets” e exibiram seus livros e suas dedicatórias com uma delicadeza sem igual, acrescentando suas mensagens de pluralidade, multiplicando o alcance dos meus dizeres, fortalecendo as ideias de inclusão.
Italo Martins Araujo, então com 10 dez anos, na escola Pueri Domus, onde participava normalmente das aulas de educação física Moacyr Lopes Junior/FolhapressMAIS
Então, agora, vou tentar juntar esse falatório todo. O Gabi, meu amigo que se comunica com assistência, vai mudar de escola e, para lá, levará, mais do que suas palavras cibernéticas, seu jeito de ser, sua diferença de viver e sua mensagem de pluralidade humana. Para construir felicidade, vai precisar de ecos, incentivos, reverberações.
A princesa de Descartes, suponho eu, teve lá seus lampejos de alegria ao saber que a ela alguém se debruçou para criar alento à alma com verbos, adjetivos e pronomes. Mais do que isso, o livro deixou uma marca sobre os efeitos das emoções no corpo e um tratado a respeito do sentir.
O verbete solidão se esvai com companhia, com afago, com entendimento. Tristeza perde o sentido com festa, com aconchego, com luzes. Abandono vira outra coisa com acolhimento, com escuta, com solidariedade. Exclusão se afugenta com diversidade.
Nem mesmo as mais esmeradas palavras conseguem sozinhas derrubar os muros do isolamento e apaziguar dores. Mas a junção delas com o humano e com os humanos têm um poder…
Mande uma resposta, dê uma gargalhada bem alta, deixe um comentário, mostre pro vizinho. Multiplique os dizeres. Juntos, eles são bem fortes.
Por: Jairo Marques (FSP 07/12/22)
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