Carolina Videira, fundadora da Turma do Jiló, é finalista do Prêmio Empreendedor Social 2022 na categoria Direitos Huma
Desde menina Carolina Videira, 43, foi ao encontro de desafios que se tornariam parte da essência dos enfrentamentos de toda uma vida, a exclusão de diversas formas e as perdas ao longo da trajetória.
Vinda de Minas Gerais ainda criança para São Paulo, penou na escola pelo sotaque carregado, pelo jeito sociável de ser e ainda ganhou o apelido de girafa mineira, devido à altura. Não via prazer na sala de aula, tirava notas ruins, era tida como “aluna difícil” e guardava para si pensamento que virou matéria-prima de sua jornada como empreendedora social: era preciso abrir caminho para outras formas de aprender.
“Ouvia em casa que eu me esforçava pouco, que não gostava de estudar. Eu só conseguia aprender e tirar notas boas quando o professor me dava atenção mais próxima e me ensinava de outro jeito. Ninguém entendia isso”, diz Carola.
O 1,80 m de altura a credenciava, diziam todos, a esportes como basquete, mas ela optou por fisioterapia e pressentiu, ao botar os pés na AACD para fazer estágio, que teria um filho com alguma deficiência.
“Não sei explicar. Eu senti isso. Até falei para o meu marido que eu teria um filho com deficiência”, afirma.
E ela teve o João em 2008. O garoto de sorriso incansável —e desconcertante para quem procurava nele tristeza— guardava condição severa que lhe tirava os movimentos, a fala, a forma convencional de interação e o colocava, ao lado da mãe, numa busca por aprender as coisas do mundo de uma maneira possível diante sua realidade.
“Tive medo avassalador quando entendi que o João tinha situação grave que se apresentou logo que nasceu. Todos da família desmoronaram. Chorei por meses, mas tive de reagir. Ele precisava de mim, mas eu tinha de manter meu emprego, até para poder dar condições melhores a ele.”
Tive medo avassalador quando entendi que o João tinha situação grave que se apresentou logo que nasceu. Todos da família desmoronaram. Chorei por meses, mas tive de reagirCarolina Videira
sobre a descoberta da doença do filho
Carola atuava na indústria farmacêutica, onde, enquanto buscava mais aperfeiçoamento intelectual, sentiu a pressão do machismo.
“Sofri assédios de todos os lados. Assim que voltei da licença maternidade, foi colocado que deveria escolher que rumo tomar, se mãe ou gerente, cargo que era única entre um monte de homens.”
Ela seguiu por mais um ano no trabalho, até que a mistura entre as necessidades de João, suas angústias em relação às formas de ver a educação e as necessidades flagrantes de abrir espaços para a diversidade explodem numa fórmula de acolhimento e método de apoiar o ensino.
Nascia assim a Turma do Jiló em 2015, ONG que preconiza que, se cozinhar direito o jiló, ele perde o amargor. “A primeira exclusão ao ter filho com deficiência é da mãe, de quem as pessoas têm dó. Sofri muito no começo. Isso dobra depois, porque terão dó do seu filho e você precisa lutar pelos direitos dele, ganhando não atrás de não.”
João lhe dava forças para agir por ele e pela causa. “Ele não verbalizava, tive de falar por ele. Ele não se movia, mas impulsionava minhas pernas para buscar mudanças.”
Turbilhão de questionamentos que mudam de vez o rumo da vida de Carola. “Não conseguia ter brilho como mulher, como esposa, como amiga, como profissional. Só sentia culpa. Ao mesmo tempo, olhava para o lado e via ensinamentos e provocações no silêncio e nas risadas do João. Ele era feliz e queria uma mãe feliz.”
O diagnóstico de uma síndrome rara veio quando ele tinha 5 anos. Carola já lutava contra o que tinham preconizado contra o filho. “Me disseram que ele nunca teria amigos nem aprenderia nada.” Tais sentenças eram contrárias à certeza da mestre em neurologia de que um cérebro sempre pode aprender
A mãe, então, tira do campo das ideias a iniciativa que mexe positivamente com a realidade de milhares de crianças com deficiência nas escolas regulares e que transformaria Carola em ativista inquieta.
Ela já era também mãe de Maria Cecília, que nasce sem deficiência e tem hoje 11 anos, mas igualmente peça-chave que a move nos desafios de fazer dialogar as diferenças.
A Turma do Jiló passou a trabalhar a inclusão 360º, que prepara a comunidade escolar, crianças, pais e professores, até redes de ensino, para saber lidar com a diversidade e garantir que a inclusão seja efetiva.
“Não era sobre amor e carinho nas escolas, isso era básico para qualquer criança. Era preciso dar oportunidade real de aprendizado a todos. Notava que não faltavam tentativas de incluir por parte dos professores, mas faltava suporte, técnica e apoio a eles.”
Professores no final da formação, mostrando que cada um começa sua carreira individualmente, mas que o coletivo é muito importante.
Há nove meses, a empreendedora lida com a partida do filho João, aos 13 anos, inspiração motriz do trabalho social. “Minha filha me ajudou a elaborar o luto e a seguir lutando.” E a luta foi parar no Supremo Tribunal Federal em 2021.
Carola participou de audiência contra decreto que previa que alunos com deficiência fossem matriculados em instituições separadas. Ergueu sua voz como uma das defensoras da escola inclusiva, e contrária ao sistema de ensino que aparta crianças em escolas especiais.
Falou sobre o reconhecimento de habilidades, aperfeiçoamento curricular e resultados contundentes da inclusão: diminuição da evasão escolar, redução da violência, do preconceito e do bullying na escola e envolvimento da comunidade.
Por tudo isso, a Turma do Jiló atua em parceira com a Secretaria da Educação de SP e a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência.
“Carola transformou a experiência pessoal, como mãe, em consistente apoio a escolas, equipes, gestores e secretarias para uma educação inclusiva de verdade”, diz Raquel Franzim, diretora de educação e cultura da infância do Instituto Alana. “Ela organizou, no chão das redes de escolas, algo sistêmico.”
Tal jornada fez com que desenvolvesse valores basilares ao cuidado com o outro, aprendendo a levar impacto a realidades marginalizadas. Na pandemia, a ONG promoveu formação e empregabilidade de refugiadas venezuelanas em Roraima, mães solo com deficiência ou com filho deficiente, a convite da Acnur (agência da ONU para refugiados).
Ante a desigualdade amplificada pelo fechamento de escolas, Carola colocou de pé cinco programas de suporte à rede escolar, desenvolveu trilha educacional online para jovens e lançou o livro “Jota e Chico”. E avança na inclusão em ambientes empresariais com discussões mais amplas a respeito de diversidade no contexto ESG.
“Utopia é horizonte. Não sei se vou viver um dia em um ambiente no qual as famílias não terão de brigar por inclusão, por ser natural ter uma escola que acolhe a todos, mas estou abrindo caminhos. Não vejo solução que não uma escola que prepara para o mundo.”
PROJETO EM NÚMEROS
– 100 mil pessoas impactadas
– R$ 949 mil em recursos mobilizados
– 0,5% é a taxa de evasão escolar em redes de ensino que trabalham com a Turma do Jiló, ante 37,5%
– Decreto 10.502 que previa segregar deficientes foi barrado após coalização que tinha a Turma do Jiló
– 60 refugiadas deficientes ou com filhos com deficiência ganharam formação e emprego, deixando o centro de refugiados da Acnur em Roraima
Por Jairo Marques (13/9/22 FSP)
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