Quem sabe pelo falecimento da minha mãe no início do ano e das suas dores dos últimos anos de vida, iniciei o ano lendo muito sobre morte, velhice e doença. O assunto deixou de ser um tabu ou crença, a literatura séria sobre o tema é farta e generosa.
O rompimento da morte com a religião nos deixou mais livres para discutir um assunto velado, indigesto, no mínimo tornando a expressão morte interdita: sentimentos, corpos, palavras e silêncio. Se os “deuses” guiavam os vivos e os mortos, hoje, o assunto pode invadir corações pela saudade, pelas lembranças. Os vivos permanecem para preservar o legado, mesmo que o luto seja interminável.
Pois então, a literatura invadiu meus sonhos e acordei dia destes assustado com a perspectiva. E se pudéssemos controlar e prever a morte? Me assustei porque lembranças de sonhos são distantes do meu oráculo. Difícil lembrar dos sonhos. O susto talvez tenha sido pela simples lembrança, assim mesmo, levei a sério.
Lógico que neguei controlar qualquer encaminhamento do futuro, recusei a premissa da previsão. Se para muitos, evitar caminhos tortuosos significa um futuro sossegado e seguro, distante da morte, no meu sonho (depois converso com Freud), indiquei o imponderável. Sem rédeas da previsibilidade, apenas o lugar do presente, mesmo que a morte esteja rondando. E não está?
Se os sonhos são respostas do inconsciente, a minha perspectiva de morte é viver agora. Talvez uma dádiva.
Irvin Yalon, termina seu último livro (Uma questão de vida e morte), citando Nabokov (Fala, memória): “O berço balança acima de um abismo, e bom senso nos diz que nossa existência é apenas uma breve fenda de luz entre duas eternidades de escuridão.” Replico Yalom, “Essa mensagem cambaleia e acalma.”
Aproveito…e publico Charles Bukowski
Mentes cheias de estopa
Não há nada mais para se lamentar a respeito da morte do que se lamenta o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas vivem ou não vivem até suas mortes. Elas não honram suas próprias vidas, elas mijam em suas próprias vidas. Elas a jogam fora. Idiotas de merda. Se concentram demais em sexo, filmes, dinheiro, família e comida. Suas mentes estão cheias de estopa. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Logo esquecem como se pensa, deixam os outros pensarem por elas. Seus cérebros estão entulhados de estopa. São feias, falam feio, andam feio. Toque as grandes músicas do século para eles e eles não vão ouvir. A maioria das mortes das pessoas é um engano. Não sobrou nada para morrer”.
de Charles Bukowski, no livro “O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio”
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