A gente precisa se cobrar mais por atitudes transformadoras na vida dos outros, precisa se impor mais coragem para fazer a diferença em vez de somente contemplar a dor
O presidente da Macedônia do Norte, dias atrás, tomou uma atitude que fez coraçõezinhos mais frágeis ao redor do mundo ficarem apertados e comovidos: pegou na mão de uma criança com síndrome de Down, que estava sendo hostilizada por sua condição dentro da escola e havia sido afastada das aulas, e levou a menina, pessoalmente, de volta ao local de estudos.
Com o ato, ele demonstrou que ali, na escola, era um lugar de direito, de razão e de igualdade garantidos à menina e que o país em que é líder vai defender a condição dela ser quem é e de estudar junto com todos até o fim.
Se tivesse preocupação semelhante, Bolsonaro não faria outra coisa por aqui em sua administração. Com a política excludente à pessoa com deficiência adotada por ele —com aderência rápida de alguns setores sociais—, voltaram a ser comuns no Brasil os relatos de negativas de matrículas a crianças com condições físicas, sensoriais ou intelectuais diferentes, assim como se ampliaram os discursos de que é “muito difícil lidar com essas crianças especiais” que precisam ser enfurnadas em cativeiros pseudoeducacionais.
Alunos da Escola Municipal Tenente-coronel Gaspar de Godoi Colaço, em Santana de Parnaíba (Grande SP), onde o programa de inclusão da Turma Marlene Bergamo
Talvez fosse necessário, em nosso país, uma marcha pela inclusão, envolvendo milhares de pessoas, para causar sensação semelhante à do líder europeu. Mas também temos cá nossas demostrações emotivas com as diferenças que mexem com o povo, como não?!
O apresentador do Big Brother, Tadeu Schmidt, fez um gesto em Libras, a Língua Brasileira de Sinais, em um dos episódios do reality, que repercutiu bonito nas redes sociais e virou notícia com tons de mentalidade inclusiva.
Não sabemos falar nem ao menos bom dia, na língua usada por parte dos surdos, resistirmos tentar ampliar a comunicação mais próximas com essas pessoas, mas adoramos saber que no programa mais popular da TV brasileira, um gesto diferentão repercutiu e mostrou de relance que existe diversidade comunicacional na humanidade. Mas acabou por ali, não vi janelas de Libras na atração.1 7
Marcelo Guti usa sinais com as mãos para passar mensagens de entidades como pombagira Karime Xavier/FolhapressMAIS
Em grande parte das vezes, por trás de um ato que vai gerar enorme comoção, há alguém sofrendo pra burro, sendo humilhado, sendo exposto, sendo estigmatizado, sendo inferiorizado. Há alguém fazendo um apelo desesperado, há alguém tentando sair da invisibilidade, há alguém querendo algum tipo de salvação.
Uma amiga com uma doença rara, cadeirante, foi retirada de um avião pela Polícia Federal por precisar usar um respirador que a auxilia a sobreviver durante um voo. Ela gravou tudo enquanto se consumia em lágrimas e em dor de ser diferente, por se sentir ultrajada. Comoveu um monte, espera-se reparação, espera-se o aguardado novo olhar sobre àqueles que não seguem padrões.
A gente precisa se cobrar mais por atitudes transformadoras na vida dos outros, precisa se impor mais coragem para fazer a diferença em vez de apenas contemplar, pela tela do celular, as bombas destruindo tudo e despedaçando esperanças de um amanhã melhor.
Só há paz, só há amor, só haverá inclusão quando a comoção servir apenas de combustível para motivar novas formas de agir, de abraçar, de se declarar e de pensar. Reconhecer que só batemos palmas, só catamos cisco nos olhos importa, pode ser bom. Vai ser muito melhor, quando conseguirmos evitar que um “serumano”, pelo menos um, termine o dia se achando inferior, sem méritos de estar vivo.
Sobre a foto: Luciana Trindade, que tem distrofia muscular, momentos depois de ser retirada de um voo por precisar usar um respirador
Por: Jairo Marques (02/03/22 FSP)
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