Capacitismo é uma palavra bem estranha à língua portuguesa, mas, pelo movimento de uso, que só se expande no país, principalmente nas redes sociais, deve mesmo se consolidar como uma espécie de designação do preconceito contra pessoas com deficiência.
O termo guarda relação com capacidades ou incapacidades projetadas, inventadas ou subestimadas. Ser capacitista implicaria imputar ao outro características-padrão que seriam geradas por sua condição física, sensorial ou intelectual.
Assim, por exemplo, toda criança cadeirante seria um anjo, toda pessoa cega seria desorientada, não ter os braços seria ter inabilidade para trabalho, ter paralisia cerebral implicaria não saber pensar ou agir e um caminhão de outros rótulos construídos ao longo do tempo, invariavelmente estigmatizados, equivocados e inferiorizantes. Cada “serumano” é único.
Diferentemente de outras expressões que falam diretamente às suas intenções, como racista está para agressão à raça, como machismo está para os conceitos arraigados do macho, como homofobia –e também a transfobia, a velhofobia– está para o ódio a um grupo, ser capacitista não relaciona diretamente a uma atitude contra o povo que não anda, não vê, não enxerga…
Isso afeta um bocado a clara identificação de ações discriminatórias que acabam ganhando vestes de piadas, de ações impensadas e até de liberdade de expressão, nunca de uma postura que desqualifica, humilha e ofende.
Em recente reportagem a respeito de pessoas com nanismo, da Folha, uma avalanche de comentários jocosos, carregados de ironias, se formou em postagens no Instagram. Uma afronta que não pode mais ser encarada como “coisa de internet”.
Jonathan de Paula Marques, 23, Marcela Moura, 26, Márcio Dellafina, 52, Ana Vitória da Silva Dellafina, 18, e Maria Rita Hubner Pottes Pacheco, 30, testam roupas com modelagem que atendem pessoas com nanismo Karime Xavier/Folhapress
A reação aconteceu, principalmente, em resposta ao fato de membros desse grupo recusarem o rótulo de “anões”, termo que, historicamente, foi ganhando conotações ridicularizantes e não condizentes com a realidade de quem tem nanismo. As dores são de quem sente, não de quem chicoteia.
O capacisitmo é crime expresso pela Lei Brasileira de Inclusão, que prevê, inclusive, pena de prisão aos infratores. Como os principais protegidos pela medida ainda mal conseguem ter o básico de cidadania –ir, vir e permanecer–, gritar contra as opressões é processo que vai levar tempo.
Por enquanto, a coisa funciona da mesma maneira como perduraram ofensas, agressões e rebaixamentos feitos ao negro no país. Quem praticava achava que era bobagem, quem recebia sentia, se oprimia e esperava que o tempo trouxesse justiça.
Com um Congresso, com parcas exceções, inacreditavelmente alheio ao aprofundamento do debate da diversidade e agindo pelo capacitismo –emperrando benefícios fiscais, ausentando-se de debates como o da educação inclusiva, por exemplo, e alterando leis que facilitam a exclusão–, a proteção efetiva só atrasa mais.
O alento é que um molho de cidadania, engrossado por entidades civis e por gente mais humana, começa a levantar fervura em defesa da dignidade às pessoas com deficiência e, talvez, o capacitismo seja reconhecido e enfrentado com menos séculos de atraso que outros preconceitos cultivados.
Outro ponto que joga a favor é que a força de mobilização das diferenças tem sido cada vez mais efetiva e reativa. Todo o mundo está exposto a ter atitudes atreladas a valores ultrapassados e ancorados na ignorância, mas não ter o mínimo de cuidado para entender como suas posturas podem atingir negativamente a vida do outro não pode mais passar incólume.
Por: Jairo Marques (FSP 27/10/21)
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