Donos de gatos revelam tal confiança que nem se importam de partilhar espaço com um ser que se julga melhor que eles
Homens que gostam de gatos não têm grande “sex appeal” entre as mulheres. Não sou eu quem diz. É a ciência.
No dia de são Valentim, li no Wall Street Journal que duas pesquisadoras americanas resolveram medir a repulsa. É considerável.
Primeiro, mostraram a foto de um homem sem gato a centenas de mulheres. Depois, mostraram a foto do mesmo homem, com um felino entre as mãos, a centenas de outras. O primeiro levou a copa.
A conclusão do estudo é que homens com gatos são menos masculinos (e parecem mais neuróticos). Donde, menos atraentes para o sexo oposto.
Respeito a ciência. Mas vejo o estudo com olhos céticos —e não, não é pelo fato de ter uma gata (ou duas, contando com você, meu amor). É porque um estudo desses tem limites. Não vi o homem em questão. Mas se fosse um Brad Pitt, desconfio que até um pangolim teria o seu encanto.
Por outro lado, será preciso dizer o quão erradas estão as mulheres? Se tivesse uma filha, a primeira coisa que lhe diria era para procurar homens com gatos (e estar atenta, muito atenta, a homens com cachorros; nem todos são confiáveis).
Para entender isso, é preciso entender primeiro o que é um gato. Digamos apenas isso: se você procura um animal submisso, que obedece aos seus caprichos e revela uma dependência quase patológica por você, não tenha um gato.
Os gatos são independentes, pedantes, aristocráticos. São capazes de escutar o próprio nome e fingir que não é nada com eles. E o afeto, quando existe, tem de ser conquistado arduamente: os gatos são os melhores avaliadores de caráter que conheço.
Como dizia Winston Churchill —os cachorros nos olham de baixo; os gatos nos olham de cima; só os porcos nos olham nos olhos.
Um homem que prefere ter um gato revela uma tal confiança em si mesmo que nem se importa de partilhar o espaço com um ser vivo que se julga melhor que ele. Ou, pelo menos, ao nível dele. Haverá melhor definição de macho alfa?
Talvez: olhando para um falso macho alfa. Encontrei um exemplar da espécie em filme disponível na Amazon Prime. O título é “The Nest”, foi dirigido por Sean Durkin e tem um par de atores (Jude Law e Carrie Coon) que, num mundo perfeito, seria coroado por todos os prêmios e honrarias. Não sei como foi que perdi essa preciosidade em 2020.
Eis a história: Rory O’Hara, um corretor britânico em Wall Street, decide regressar ao Reino Unido em busca da fortuna e do status que não conseguiu nos Estados Unidos. Para isso, arrasta a mulher (americana) e os dois filhos com ele, instalando a família numa mansão rural, a poucos quilômetros de Londres.
Mas não só. Rory escolhe os melhores colégios para os filhos; oferece à mulher um cavalo; contrata os melhores operários para construírem os estábulos; e deslumbra os colegas com proezas e conquistas que, vamos descobrindo, só existem na cabeça dele.
Não somos os únicos: Allison, a mulher, vai passando pelo mesmo processo, percebendo no seu macho alfa um gosto pela mentira e pela afetação que só revela a gigantesca fraude com que se casou.
E não deixa de ser revelador que as únicas lágrimas que ela concede no filme sejam para o cavalo, esse eterno símbolo da honradez e da nobreza, e não para o marido.
A obra de Sean Durkin é primorosa no retrato do falso macho alfa —ou, melhor dizendo, do abismo que existe entre a retórica viril e a triste fragilidade de Rory. Um homem eternamente dependente da validação dos outros e, por isso mesmo, fraco e ridículo.
E falido, já agora, porque não há bolsa que aguente o carrossel de aparências em que Rory vive aprisionado.
Não conto o final, absolutamente brilhante na sua aparente banalidade —já não via um final tão bom desde a minissérie “Mrs. America”, da HBO. Exceto para dizer que senti vergonha alheia ao ver o destino de Rory.
Pois é: uma relação amorosa sobrevive a tudo, até à infidelidade. Mas quando uma mulher perde qualquer respeito por um homem, não há ressurreição que salve o cadáver.
Olhando nesse momento para o rosto de Allison, uma mistura de frieza e náusea que é também afirmação de autonomia, comentei apenas: “Como tudo teria sido diferente se essa mulher tivesse escolhido um homem amante de gatos”.
João Pereira Coutinho (FSP/16/02/21)
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.
Deixe um comentário