Jairo Marques
Passei os últimos dias revisitando nos pensamentos um pequeno desabafo feito nas redes sociais por uma pessoa amiga. Ela se lamentava por não ter uma resposta que consolasse ou motivasse a contento a jovem filha diante de um questionamento duro para qualquer pai driblar: “Você acha que eu vou dar certo na vida?”.
Minha filha biscoita tem ainda apenas cinco anos, mas me imaginei na situação de chegar a hora de tentar auxiliá-la com essa bucha que catuca a alma durante a trajetória de quase todo vivente.
Desde criança vamos sendo programados para buscar sucessos, para alcançar algo que sempre estará distante daquilo que já temos ou que podemos alcançar sem criar grandes angústias existenciais ou sem provocar dores profundas devido a um caminho acidentado, ora violento, ora inóspito.
Naturalmente, confunde-se o evoluir nos pensamentos, nos desejos, nas capacidades de aproveitar a existência com uma pressão por ter de fazer algo, de alcançar um lugar, de possuir coisas e de mantê-las.
A força do tal “sair da zona de conforto” nos leva a ficar incomodados com o sossego de uma rede aconchegante depois de uma bela feijoada, nos faz deixar de contemplar o momento porque é preciso se preparar melhor para o novo dia, nos induz a sentir insatisfação mesmo diante de um abraço claramente de amor.
Estou prestes a completar 46 anos. Vim com tanta ansiedade e com alguma gana até o momento de ser colunista da Folha —o que pode ser um “dar certo” razoável para um jornalista—, ter uma casa com varanda e viajar para Paris nas férias que, agora, fico com uma sensação de secura ao me lembrar da minha juventude, ao tentar resgatar fotografias não clicadas da minha jornada.
Quando se sai de uma realidade de pobreza, de limitações físicas diversas e severas devido a uma deficiência, de falta de um suporte de uma família mais ou menos organizada, o trem que nos sacode até os sonhos, até os desejos de uma vida melhor não tem muitas janelas e a gente não se permite parar em qualquer estação para simplesmente dar bom-dia aos cachorros ali parados.
A necessidade básica, a angústia pelo não ter o que se avalia como fundamental e o desejo de ser aprovado —e mais uma série de outros fatores emocionais ou práticos— vão conduzindo de uma maneira legítima, mas pouco reconfortante, para uma busca que pode nunca ter fim e, mais, deixar poucas chances de referências do meio.
Quando conseguimos respirar com mais eficiência, quando temos mais instrumentos para mergulhar em nós mesmos e quando conseguimos nos libertar do que é padrão de felicidade e de méritos para receber palmas, talvez, seja menos aflitivo encarar as questões relativas à realização pessoal.
A vida pode dar certo quando a gente ouve um sim, mas também quando a gente, finalmente, entende que um não foi importante.
A vida pode dar certo quando a gente dá risada sozinho ao se lembrar de uma piada, quando se refresca numa bacia, quando samba, quando valsa, quando beija, quando rega uma planta, quando renasce tímido depois de morrer um pouquinho de desgosto, de raiva ou de desamor.
Dar certo na vida poderia deixar de ser um projeto mirabolante regado a plaquinhas de honra ao mérito e passar a ser um compartilhar de uma experiência simples como se emocionar com uma canção, vibrar com a companhia de um velho, consolar a dor de uma criança. Assim, muitos de nós poderíamos viver mais livres com nossos apontados erros.
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