Por: Jairo Marques
Não pode apertar a mão, não pode dar abraço. As festas das crianças foram canceladas, o show do Zeca Pagodinho foi adiado sabe-se lá para quando e o parque está fechado até aos finais de semana.
Aos poucos, as medidas restritivas para o combate ao coronavírus vão minando todas as certezas do dia a dia, de um futuro próximo, e vão dando espaço a uma sequência de dúvidas, que são, ao mesmo tempo, agonizantes e geradoras de um certo espírito de sobrevivência que flerta com o egoísmo.
Estocam-se Miojo, álcool em gel, milho de pipoca, água que passarinho não bebe e comida congelada, tapam-se as frestas das janelas, mantém-se distância. O processo de isolamento contínuo e suas medidas necessárias, extremas e preventivas desafiam a capacidade e o instinto nato do “serumano” de dar espaço na vida para pensar nos outros, colaborar com os outros.
E é justamente na criação de uma situação de “cada um por si” que essa pandemia tem força de incitar os riscos da multiplicação de entrincheirados. Como a situação envolve uma série de questões que provocam temor, insegurança e a saúde da gente, a irracionalidade pode passar à frente do clamor alheio se não houver intenso diálogo, espírito de colaboração e de coletividade.
Se a maior parte das pessoas, legitimamente, está pensando em evitar que seus velhos se contaminem, que seus vulneráveis estejam longe da doença –que atende por Covid 19–, outros tantos estão com preocupações ainda mais básicas: o que vão comer, como irão manter os filhos, a casa, a integridade física e mental.
Tentar equilibrar nossos instintos de preservação com as demandas de quem nos rodeia, de quem orbita a nossa vida, mas não habita diretamente nossa realidade, vai ser fundamental, diante dessa tensão toda formada, para que haja alguma atmosfera de mais esperança e também de segurança em diversos aspectos.
Sendo assim, é importante pensar se não é possível pagar pelo menos metade da diária da faxineira dispensada por esses dias, se não dá para compartilhar o álcool em gel com quem só está encontrando o produto a preço de Moët Chandon nas farmácias, se não daria para fazer uma vaquinha para auxiliar aquele amigo dono de um boteco que ficou –e deverá ficar por muito tempo– às moscas.
Muito importante haver uma consciência de que, se a massa de pessoas vulneráveis economicamente crescer de maneira muito vertiginosa e sem proteção nenhuma, a atmosfera de angústia que está instalada ganhará elementos ainda mais dramáticos como a violência, os saques, o ódio entre as pessoas.
Ajudar, ser solidário neste momento inédito na história de muita gente, passa também por atitudes que estão longe da questão financeira. Vale se dedicar a contar histórias para crianças que estão em casa –tudo online–, dar atenção a idosos que estão apartados de suas atividades, compartilhar informações de qualidade com amigos.
Quanto mais criativo se for em formas de ser útil ao próximo sem colocar ninguém em risco, mais se combaterá, além da propagação do vírus, esse clima de pânico, de terra arrasada e de salve-se quem puder.
Tentar equilibrar a preservação da saúde e da vida com o espírito de comunhão, certamente, é o que fará que todos nós saiamos deste momento tão hostil, em que nem podemos dar as mãos, fortes e livres para voltar a abraçar e beijar quem bem quisermos, quando quisermos.
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