A exposição por mais tempo aos efeitos da fatalidade mata quem tem menos fôlego e força de submergir
Procuro sempre morar em andares baixos de prédios. Em uma emergência, abraço o bombeiro e serão menos degraus para ele tentar me salvar, no colinho e menor a chance de eu me apaixonar. Durante um chuvão, saio rapidinho da Kombi, quando estou na rua, ou não saio à rua, quando estou abrigado.
Com cada vez mais efeitos drásticos da crise do clima abalando o mundo, fica exposta uma questão estratégica fundamental à sobrevivência dos mais vulneráveis –e são multidões—, o que fazer e como fazer para dar fuga e chances diante das desgraceiras aos velhos, às crianças, às pessoas com deficiência, às grávidas e aos cavalos?
O pensamento óbvio em situações de tragédias é que todos são vítimas, então, não existe prioridade, o que faz sentido até certo ponto. O que também faz sentido é que a exposição por mais tempo aos efeitos de uma fatalidade vai matar quem tem menos fôlego e força para submergir.
Pouco mais da metade dos mortos contabilizados até agora na tragédia do RS são pessoas mais velhas. Os velhos também são os mais afetados com as altas temperaturas e com alterações repentinas do clima, que impactam de maneira rápida em seus quadros de saúde.
Contar apenas com nossa senhora da bicicletinha ou acender uma vela não serão estratégias suficientes para tentar proteger os mais vulneráveis de serem dizimados diante das catástrofes que, agora, acontecem mensalmente, em algum ponto do planeta. Conseguimos, afinal!
Ações preventivas, como mapear os grupos com menos chances de fuga em uma intempérie, haver especialistas em salvamentos específicos, divulgar informações ao público e tentar retirar pessoas de áreas muito sujeitas a desgraceiras possíveis, são passos importantes.
São incipientes os estudos de calamidades que visam a deficiência como consequência ou como foco de atenção. O que fazer, por exemplo, se um autista com nível de suporte elevado tiver uma crise em um momento de resgate? Vai na marra? E com uma pessoa com restrições muito severas de movimentos?
Claro que, “vai como der” parece ser a regra máxima e é evidentemente válida. A imagem de um senhor com Alzheimer sendo socorrido em uma caixa d’água é impactante. Mas pensar em logística de salvamento diante a pressão da crise do clima é algo inegável.
Afora todo o drama envolvido nos efeitos das catástrofes, fica translúcido, agora bem perto, com os acontecimentos no Rio Grande do Sul, que os desdobramentos posteriores também exigem estratégias para que não se escape das garras do leão e se caia na do tigre. Novamente, as lebres da floresta ficam mais expostas.
Nos 766 abrigos gaúchos, há quase 15 mil velhos, crianças e pessoas com deficiência, afora mulheres grávidas, toda uma massa de gente que, para viver, pode necessitar de alguma condição diferente ou de algum anteparo específico –muitas vezes, que ficou para trás ou se avariou.
Cidade de Encantado submersa. Região no Vale do Taquari foi uma das primeiras atingidas pelas chuvas Diego Vara – 1.mai.2024/ReutersMAIS
Mais uma vez, não se trata de não entender que todos estão fugindo para as colinas e só de chegar lá, já valeu, mas de planejar, problematizar e entender que, cada vez mais, e rapidamente, temos de pensar em acessibilidade, em assistência e suporte emocional, em farmácias e hospitais móveis, em entretenimento para os pequenos, em suporte para os bichos.
Por enquanto, boa sorte para nós, os vulneráveis, e longa vida, com força, a quem nos salva.
Jairo Marques (FSP 21/05/24)
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