Sinto, nas casas de oração uma falta de um ponto de atenção àqueles cujo interesse por uma crença não está em nada ligado a sua condição
Sempre fui um curioso e um entusiasta de práticas de fé. Minha mãe nunca foi carola, nunca tive um chamamento divino e muito menos me sinto um pecador de vidas passadas para ter a necessidade de procurar “gzus” para redimir minhas derrapadas pretéritas. Simplesmente é uma questão e uma vontade bem humanas.
Na pré-adolescência, adotei práticas orientais de reza longuíssimas, com queima de incensos, tilintar de sinos, era lindo e terapêutico, mas meus irmãos chiavam bastante pela fumaça e pela “ladainha” que bloqueava o quarto de dormir por muito tempo.
Em outro momento, ia à missa aos domingos e sabia até cantar “Hosana, Hosana nas alturas”. Frequentei sessões mediúnicas e senti um enorme engrandecimento. Já fui a cultos evangélicos e não tentaram me levantar da cadeira de rodas, ufa!
Pratico meditação com uma pegada mais espiritual também, embora o guru tenha uma tendência forte em tratar de finanças para o equilíbrio terreno. Por fim, tenho mergulhado nas práticas da umbanda e achado divino e maravilhoso.
No terreiro, assim como nos demais templos, porém, a minha sensação é que o diverso é sempre o “atendido”, o vitimizado, o espectador das manifestações religiosas. O diferente nunca é –ou é, excepcionalmente— o mensageiro, o padre, o xamã, o líder espiritual, o pai ou mãe de santo. Sinto um certo descolamento da fé com os legítimos anseios da plenitude de existir.
Os pastores mirins são bem mais comuns que os “malacabados”. Quantos são os padres negros, mesmo? E se um cadeirante tiver a vocação de incorporar Ogum, como será com aqueles degraus do terreiro? As mulheres líderes de fé ainda são minguadas, monja Coen nada de braçada.
Também sinto, nas casas de oração, de qualquer profissão de fé, uma falta de um ponto de atenção àqueles cujo interesse por uma crença não está em nada ligado a sua condição. Não quero ser salvo da minha deficiência, mas quero condições de ir aos templos, pessoas LGBTQIAP+ não estão atrás da cura gay, mas querem ter o amplo direito às práticas religiosas. E dá para enfileirar os outros grupos todos na toada.
Mesquita Brasil, que está fechada para o público durante a epidemia de coronavírus Bruno Santos/FolhapressMAIS
O nosso tempo clama por reconhecimento de questões que se somam à pobreza, à violência, aos abandonos, à doença ao sofrimento emocional e ao desalento. Olhares menos estigmatizados para o que diverge do todo e mais caloroso para as aflições de querer se manifestar como qualquer outro vivente pode ser de muita luz.
A “bênção gay”, autorizada pelo papa Francisco, na Igreja Católica, pode até ter ares de mudança diante de princípios milenares que precisam de amadurecimento histórico e tals, mas é uma migalha de deixar a hóstia envergonhada. Aceita-se até você ter lá suas questões de gênero, mas as manifestações dela precisam ser bem regradas.
São nos palcos da fé que a gente gostaria de presenciar a inclusão pura e simples, por ser humana, ser justa e ser genuinamente de Deus. Sem leis, sem regras, sem prioridades, sem alguém avisar, sem alguém mandar, sem papa dizer que é certo ou errado, sem haver autorização. Só ser. Só vir. Só sermos. Só estarmos.
Por Jairo Marques (FSP 19/12/23)
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