Por outro lado, produção nacional usa cadeirante fake em papel principal
O filme não engajou, por enquanto, e as crianças não cantarolam suas músicas em todo lugar. Talvez você nem tenha conhecimento de que a Disney estreou, há poucos dias, Wish: O poder dos desejos. Isso tudo, porém não muda um feito que passa quase desapercebido na animação comemorativa dos cem anos dos estúdios californianos, a presença de uma personagem com uma deficiência marcante no núcleo principal da história.
Dahlia é uma confeiteira carismática e esperta do reino. Embora tenha uma característica relevante de mobilidade, usa uma muleta como apoio para o lado esquerdo do corpo, sua condição é posta com tanta naturalidade que o espectador demora a se dar conta que ela tem uma diferença, inclusive, durante as cenas, ela anda de maneira peculiar.
Amiga de Asha, a protagonista da história —que não é uma princesa, mas, segundo os conhecimentos de minha filha biscoita, deve ganhar o título por ter praticado um “ato heroico”—, Dahlia vai ao encontro de um anseio latente de pessoas com deficiência: está presente ao longo do filme, é como é, sem subterfúgios ou com a realidade atenuada, suavizada.
“Ah, mas e os anões da Branca de Neve, o Capitão Gancho, o Corcunda de Notre Dame?“. As diferenças na abordagem são enormes em todos esses casos. As condições desses personagens eram exploradas por seus supostos exotismo, como as caminhas dos anões, os jeitinhos, os diminutivos tão fofos e tão capacitistas.
Além do mais, não é explorado na personagem de Wish as causas que levaram a sua condição nem mesmo existe a cena típica de outros filmes, que é chororô pelo que lhe faltaria ter, pela desgraceira humana que vive. Ela simplesmente tem uma deficiência e está ali, trabalhando, enfrentando seus perrengues, pensando em maneiras de enfrentar o rei “macho escroto”.
Em dado momento tenso da animação, mais uma vez, roteiristas e desenhistas da Disney propõem uma abordagem muito nova a respeito da deficiência em desenhos animados. Todos os personagens precisam adotar uma postura de fé e de coragem e se ajoelham. Dahlia não é cortada da cena e se vê claramente como ela “deu seu jeito” de participar da comoção coletiva. Não é nada frugal. É inclusivo!
Só com representatividade pra valer, em todos os cantos, é que as crianças vão reconhecer com mais propriedade e pertencimento que a vida é plural e cheia de manifestações multicoloridas. Só dessa forma a gente vai conseguir diminuir os embates pelo direito de existir, de se manifestar e de ser feliz.
Cena do filme ‘Wish: O Poder dos Desejos’, dirigido por Fawn Veerasunthorn e Chris Buck DivulgaçãoMAIS
Aqui no Brasil, um contraexemplo que preciso pontuar. Não assisti, mas antecipo que já não gostei de “Chama a Bebel”, cuja protagonista é uma garota cadeirante, interpretada por uma atriz sem deficiência.
Por melhor que sejam as intenções da película em debater inclusão e acessibilidade, por mais que haja outros atores com deficiência na trama, esse debate está vencido e consolidado. Nada sobre nós, sem nós.
Há jovens atores cadeirantes às pencas em busca de oportunidades, de espaço e de trabalho. Qualquer argumento que os tirem do jogo é menor do que a legítima urgência de assumirem posições de protagonismo em sociedade.
Por Jairo Marques (FSP 16/01/24)
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