A neurocientista inglesa Emma Byrne é hoje a voz mais eloquente na defesa de uma causa controversa: a cruzada pela redenção de todas as palavras cabeludas, pegajosas, ofensivas, fedorentas e escandalosas do mundo.
“Bichos escrotos, saiam dos esgotos!”, poderia cantar, citando Titãs, a autora de “Swearing is Good for You: The Amazing Science of Bad Language” —na tradução lançada em Portugal ano passado, a única disponível em nossa língua, “Dizer Palavrões Faz Bem: A Incrível Ciência do Calão”.
Se a causa é polêmica, isso não se deve a uma insuficiência de méritos do objeto, que pesquisas sucessivas garantem ser crucial na economia psíquica dos indivíduos e no equilíbrio socioemocional das coletividades humanas.
A controvérsia é apenas moral, campo em que os palavrões são associados a fatores exclusivamente negativos: agressividade, descontrole, falta de educação e racionalidade, escassez de vocabulário e até de inteligência.
A acusação de falta de educação e racionalidade pode ser difícil de contestar, sobretudo num momento histórico em que o insulto se tornou —não só no Brasil— substituto das ideias no debate político. As outras pechas são caluniosas.
O recurso ao palavrão diante de monstruosidades —como, digamos, Brumadinho ou Renan Calheiros— não revela pobreza de vocabulário ou de inteligência. Como diria Byrne, que salpica palavrões pesados em seu livro: “Fuck, no!”.
Quanto à agressividade, há indícios de que o risco de violência física é na verdade atenuado pelo termo grosseiro, que tem ainda poderes anestésicos, alivia o estresse e fortalece laços sociais.
A linha de pesquisa mais promissora é a que engatinha no desvendamento dos processos mentais que engendram a linguagem. Aqui os palavrões se firmam como uma reserva profunda, primeva e resiliente de recursos linguísticos, mais ligados às emoções do que à razão. Há casos de pacientes com lesões cerebrais que perderam quase por completo a fala, com uma única exceção: xingam como piratas profissionais.
Além de pesquisadora na área de inteligência artificial, Emma Byrne é uma competente divulgadora científica, articulista assídua em jornais e revistas do mundo anglófono. E é no cruzamento dessas capacidades que compila em seu livro um grande volume de informações sobre a ciência do nome sujo.
Não dispensa frivolidades saborosas, como as evidências estatísticas de que pessoas de esquerda dizem mais palavrões que pessoas de direita. E de que as mulheres, historicamente menos dadas ao xingamento, logo empatarão com os homens nesse quesito.
Byrne observa também que palavrões são de definição difícil, sujeitos a variações históricas e culturais de todo tipo. No Japão, informa, o tabu relacionado com excreções quase não existe: uma ofensa como “seu merda” não faria carreira por lá. Em compensação, “kichigai” (que ela traduz livremente como “retardado mental”) vira apito em programas de TV.
Sobre a relatividade do que é ofensivo, uma das melhores histórias envolve o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que contava ter sido repreendido certa vez por uma grã-fina americana porque, num banquete em que serviam galinha, pediu “peito”.
“Neste país pedimos carne branca ou carne escura”, pontificou a mulher. A flor que Churchill lhe fez gentilmente chegar em seguida foi acompanhada de um bilhete: “Ficaria muito grato se a pregasse em sua carne branca”.
por Sergio Rodrigues
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