Ele morava quase parede com parede comigo, apenas um sobrado nos separava. Era estranho para a maioria dos vizinhos, não falava com ninguém, nem cumprimentava. Não foi difícil convidá-lo para uma cerveja. Depois do nosso primeiro encontro, ele anunciava que eu era o único amigo dele. A solidão era própria dos problemas de saúde, que não eram poucos. Só saia de casa para comprar pão e cerveja. Passava os dias sentado na frente de casa, fumando, bebendo e esperando a sorte grande. Nos últimos dias era o bitcoin. Dizia que tinha muito pouco, o suficiente para se aborrecer e se ocupar.
Tempos em tempos, sentávamos para uma prosa, a conversa girava invariavelmente no passado, contava-me das grandes festas e aventuras que viveu quando o pai ainda vivo o financiava. Confesso que ficava perplexo com o tamanho dos eventos. Sempre regado a muita bebida, mulheres e dinheiro. Tudo aquilo que um dia foi essencial, hoje uma história. Escutar as histórias e patrocinar as cervejas deixavam-me feliz também, eram histórias de uma vida de fantasias. Minha disposição para a escuta era a senha para sempre ser lembrado por ele da amizade que tinha por mim.
Os encontros me proporcionaram várias reflexões sobre a conceito de amizade. Uma das análises foi entender que conviver com os diferentes é marcadamente uma necessidade. Nos aproximamos muito dos iguais, talvez até para afirmar nossas limitações e carências. Como um ego esfarelado, nos encostamos na retroalimentação da mesmice e da carência. Escutá-lo não foi terapia para ele, e sim, para mim. O que faz uma pessoa desistir de continuar? Um dia ele me disse “não espero nada de ninguém, quando tinha dinheiro, era rodeado de pessoas, agora, só restou a solidão.”
Depois de alguns meses, na semana passada, sentamos para uma rodada de prosa e cerveja, estava me culpando e ele também, pela demora do encontro. Conversamos muito, me dizia que a medicação o deixava mais calmo e sociável, mesmo que ficasse só em casa. A última coisa que disse para ele, depois de um gole de cerveja, foi que, apesar das nossas desilusões com a vida e com as pessoas, valeria continuar tentando, perdoar todos e, se perdoar. Encontrar um sentido poderia ajudá-lo a voltar ao mundo. Me respondeu com um sorriso, seguido de uma tragada…
Neste último sábado, chegando em casa pela manhã, fico sabendo que meu amigo nunca mais vai tomar cerveja comigo. Saiu de cena deixando mais um aprendizado para mim
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