A gente se apega ao que nos comove, nos faz companhia, nos faz rir e nos movimenta
Uma vez uma moça das mais formosas me disse assim: “Quanto mais eu convivo com você, mais bonito você fica pra mim”.
Tenho um corpo com muitas diferenças e bem distante do que se convenciona atraente, lindo. Minhas pernas são finas, os braços são longos, o abdome —pelo eterno estar sentado— meio disforme, a coluna um pouco curvada.
Com tudo isso, já me senti potente pela boniteza, sempre associada ao que consigo revelar de mim para além do meu pé torto. A oportunidade de vencer uma certa repulsa ao que é diferente —seja em formas, cores, imperfeições, trejeitos— mora na abertura da janela para novos olhares, afetos, profundidas humanas e de caráter.
Nas microrrelações, a costura que faz do franzido na aparência um belo vestido rodado costuma ser mais fácil. A gente vê beleza genuína na pele manchada, no olhar sempre perdido, na vagareza de uma resposta, nas confusões mentais.
Na amizade, nos romances, no convívio familiar, reduzir alguém a sua condição de deficiência, de aparência incomum, geralmente, não se perpetua. A gente se apega é àquilo que nos comove, nos faz companhia, nos faz rir, nos movimenta em dança, pensamento e desejo de mais.
A questão é que para viver com plenitude no “mundo bão do Sebastião” é fundamental desenvolver relações mais amplas e é aqui que tudo muda e o impacto da diferença chega e cobra seu preço, muitas vezes, de forma violenta, com o peso do preconceito.
Quando, “de repente”, alguém com uma diferença física, sensorial, intelectual ou mental surge com seu ineditismo de ser no trabalho, na escola, na balada, na sauna, na novela, no show, na sala do juiz, na igreja, na casa da luz vermelha, na praia, na floresta costuma-se, como se fosse algo natural, acionar um leque que venta em sentidos muito próximos: só uma tolerância, a indiferença, o desconforto, a aversão, o medo de “pegar”, o incômodo.
Sem ser injusto, há também quem celebre a “coisa boa” da inclusão, o efeito da pressão pelo diverso e, mais reduzidamente, os que vibram de maneira genuína porque, enfim, algo está mudando. Em geral, quem pensa dessa última maneira, guarda uma microrrelação “diferente” entre seus valores.
No encontro com o coletivo —algo ainda bastante inédito, pois a regra é a exclusão— a pessoa com deficiência, sobretudo, vai ficar exposta ao desejo alheio de ser mais “normal”, pois na diferença é muito complicado reconhecer valor, pois isso pode implica repensar o que entendemos bonito, prazeroso, competente, atraente, talentoso, capaz.
Dar a chance de manifestação é uma forma interessante de enfrentar a aversão ao que se vê como muito incomum, muito fora da curva de nossos padrões pessoais. Reconhecer que há maneiras plurais de estar vivo, ser feliz e ser bom no que faz, também, assim como admitir ganhos disso.
Mas nada é semente mais promissora para se vencer a forma obtusa como lidamos com galhos ditos desarmônicos nas nossas árvores sociais e de trocas, que ter a constante mentalidade de estar junto e querer estar junto a folhas e flores que emprestam sombra, aconchego, cores e aromas múltiplos a nossos quintais.
Jairo Marques (FSP)
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