Projeto BlindWiki, que chega ao Brasil, permite compartilhar dicas de passeios, percepções sobre acessibilidade e história
Um grupo de pessoas com deficiência visual participou, na última quinta-feira (18), da obra colaborativa BlindWiki. Com seus celulares, gravaram áudios sobre o que acharam das obras de artes espalhadas pelo jardim do MAM (Museu de Arte Moderna), no parque Ibirapuera (zona sul de São Paulo).
O objetivo é a criação de um mapa sensorial, que reflete a percepção pessoal do espaço público pelos participantes. Por meio de uma rede de áudios, pessoas cegas e com perda parcial de visão utilizam os celulares para compartilhar suas descobertas sobre a cidade postando gravações sonoras no aplicativo BlindWiki.
Uma das participantes é a motorista de ônibus aposentada Aparecida Rosa Dehira, 68. “Gostei do aplicativo, pretendo continuar usando e divulgando, pois é uma maneira de nos expressarmos, de cobrarmos mais acessibilidade“, afirma.
Dehira perdeu a visão há dez anos, após ser atingida por tiros no rosto, e utiliza duas próteses oculares. “Pedi a Deus para viver, pois eu ainda tinha muita coisa para fazer aqui, inclusive o servir. Minha vida era só trabalhar”, conta ela, que começou a passear mais, cantar em coral, fazer dança do ventre, pintar, entre outras atividades.
Na prática, qualquer pessoa pode baixar o aplicativo, que é gratuito, e gravar o que quiser. O artista espanhol Antoni Abad, criador do projeto, diz que o conteúdo pode variar de dicas de passeios, percepções sobre locais acessíveis ou não, recitação de poemas até contação de histórias ou piadas. “O limite é a imaginação de cada um. O intuito é criar uma comunidade de participantes que não se conhecem e projetar a voz deles para o resto da sociedade”, explica.
O projeto já percorreu outras cidades do mundo. Em 2015, foi realizado em Roma, Itália e Sydney, na Austrália. No ano seguinte, na cidade de Wroclaw, na Polônia e na Bienal de Berlim, na Alemanha. Em 2017, na Bienal de Veneza, Itália.
Até o momento foram registradas 602 colaborações durante os nove encontros desde o início do mês na capital paulista e em Sorocaba. No dia 26 de agosto, das 18h30 às 20h, será apresentado ao público, no Unibes Cultural, a prévia do documentário e uma mesa redonda sobre o projeto, que está pela primeira vez no Brasil.
Para o fotógrafo e jornalista Teco Barbero, 41, por meio do conteúdo produzido pelas pessoas no aplicativo é possível criar um sentido de inclusão e interação também com quem não têm deficiência. “Achei inovador poder deixar gravadas as impressões que temos dos locais pelos quais passamos, que vão servir de referência para todos.”
A estudante de letras Yanca Fernandes, 22, concorda e diz que o diferencial é ouvir a percepção de outra pessoa cega. “É bom não ter apenas referências do que as pessoas que enxergam nos contam. Pode ser que a gente nunca vá àquele lugar, mas teremos uma ideia de como é. É o equivalente para quem enxerga a assistir a canais de pessoas que comentam suas próprias viagens, por exemplo.”
Para Abad, mais que redes sociais remotas, os encontros presenciais formaram redes cidadãs, de pessoas que discutiram pautas importantes para a comunidade, além de projetarem suas impressões. “O aplicativo pode continuar sendo alimentado, mas dependerá do engajamento da comunidade, que poderá mapear mais locais ao longo do tempo”, diz.
“Vou continuar usando e compartilhando o aplicativo. Gosto de receber dicas sobre onde ir, como restaurantes, parques, saber quais locais são acessíveis ou não facilita”, afirma o funcionário público José Vicente de Paula, 65, que perdeu a visão aos 40.
Curadora do projeto, Bruna Battistini Fonte afirma que as postagens formam uma cartografia afetiva e que o conteúdo parte da própria pessoa. “As mensagens juntas tornam-se uma voz coletiva e livre, utilizando uma tecnologia digital para conectar pessoas ao mundo real.”
FSP – 22/08/22
Deixe um comentário