O universo da popularidade não vai ficar ileso à transformação das representatividades
Assisti a um vídeo da cantora Joelma dançando aquele ritmo alucinante dela com um bailarino cadeirante no palco. E era uma coreografia de verdade, com movimentos ensaiados e harmônicos, não apenas uma sentada no colo do rapaz para o público achar fofo e aplaudir cheio de lágrimas.
A demonstração inclusiva da multitalentosa paraense foi uma tremenda exceção. Celebridades brasileiras ainda fazem pouco ou quase nada de efetivo para refletirem valores de inclusão e de diversidade aos fãs e à sociedade de maneira espontânea e engajada com propriedade.
Muitas vezes, quando fazem algo, distribuem pílulas empacotadas de marketing, de assistencialismo ou de ouviu falar que seria bacana um aceno às diferenças para ganhar mais seguidores, geralmente pegando carona em alguma desgraceira que ganhou as redes sociais envolvendo outra celebridade quase irmã.
Afora Os Paralamas do Sucesso, por forças herbertianas, não me recordo de outros astros preocupados, por exemplo, com os espaços, muitas vezes, sórdidos dedicados às pessoas com deficiência em shows e espetáculos, os curraizinhos.
Não é problema do artista e da arte o cuidado com o fã, com questões sociais, com demandas humanas da modernidade? Tenho dúvidas.
Recentemente, uma das cantoras pops mais badaladas do mundo, Beyoncé, decidiu mudar uma canção por haver reclamações de capacitismo —o preconceito contra pessoas com deficiência— em sua letra, o que causou uma tremenda repercussão negativa.
Até onde percebi, a diva não estrebuchou em defesa da liberdade de expressão nem da sonoridade bundalelê que a palavra provocava no ritmo da canção, não chamou a dor alheia de mimimi, reconheceu o desconforto no outro, pediu desculpas e tudibão.
Famosos brancos e ricos fazem vez ou outra demonstração de atenção a seus privilégios e passam mensagens ao mundo ao adotarem crianças pretas, refugiadas, que vieram de realidades conflituosas. Elas passam a engrossar, então, como o barulhento caso de Giovanna Ewbank, o coro contra as discriminações, o preconceito criminoso a dor do existir na diferença.
É bacana, é legítimo, é importante. Vale lembrar, entretanto: crianças com questões físicas, intelectuais e sensoriais também se acumulam nas filas em busca de uma família e acolhimento; não é preciso, nem é racional, que seja necessário todo o mundo “sentir na pele” um infortúnio social para se voltar contra ela e, por fim, crianças e suas diferenças padecem de violência diariamente, em todo canto, nas mãos de adultos retrógrados e escroques.
O universo da popularidade não vai ficar ileso à transformação das representatividades e da geração de espaços para as diferentes maneiras de estar no mundo —e suas pressões— e isso vai exigir posturas mais contundentes, interessadas e compreensivas a respeito do ser preto, ser indígena, ser velho, ser cadeirante, ser trans.
Todos os dias, é só abrir bem os poros da empatia, em todos os cantos e em toda mídia, há gente padecendo com incompreensões, xingamentos, chacotas, sendo relegadas por suas diferenças. As estrelas podem bem mais que brilhar diante disso, podem, quem sabe, iluminar caminhos para tempos verdadeiramente mais plurais.
Jairo Marques (FSP)
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