Recebi diagnóstico de autismo aos 35 anos; por não haver ação direcionada a quem está no espectro, passei boa parte da vida num mar de dúvidas
O texto a seguir foi escrito por Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19, e faz parte da campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Pelo segundo ano, colunistas do jornal cedem seus espaços para a reflexão sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. A iniciativa é do Instituto Serrapilheira.
Desde o final de 2019 estamos vivendo uma pandemia que vem alterando nosso comportamento. Percebemos mudanças na mobilidade da população e também em hábitos tradicionais, como frequentar restaurantes, cinemas ou shoppings.
Os impactos do Sars-CoV-2 e as consequentes transformações em nossa vida podem acontecer de forma caótica, pela percepção que as pessoas têm do que acontece ao redor ou podem ser organizadas por meio de políticas públicas de comunicação e saúde que nos ajudam a tomar decisões.
É na elaboração dessas políticas que a ciência, com seu método, suas incertezas e questionamentos, tem um papel fundamental.
Quando um gestor toma uma decisão, ele faz isso ancorado em alguma coisa. Quando essa “alguma coisa” é fruto de um método científico, os resultados tendem a ser muito mais positivos do que quando as decisões se dão com base em evidências anedóticas ou crenças.
A pandemia é um exemplo marcante nesse momento —quantas pessoas com Covid-19 vemos ao nosso redor neste ano de 2022? — , mas precisamos lembrar que ela só se transformou numa emergência justamente pela aplicação tardia ou mesmo pela má definição dessas mesmas políticas públicas.
Tenho uma experiência pessoal que ilustra essa falha: recebi meu diagnóstico de autismo em 2017, aos 35 anos —hoje tenho 40. Por não haver políticas públicas direcionadas a quem está no espectro, passei boa parte da vida num mar de dúvidas, sem entender por que eu me sentia deslocado, como se todos estivéssemos em uma peça de teatro, mas apenas eu não tivesse recebido o roteiro.
Molly (Elisabeth Shue) é uma autista que se submete a uma cirurgia que supostamente a recuperaria em “Experimentando a Vida”
Quantas pessoas se encontram na mesma situação por não haver medidas governamentais embasadas em ciência para integrá-las na sociedade e estimular o que há de melhor em cada um?
O ciclo se completa quando percebemos que a política pública, além de ter de ser baseada na ciência, também surge de uma atitude de nossa responsabilidade: o voto. Pelo voto, que é um direito e um dever, escolhemos quem irá formular as políticas públicas que transformarão comportamentos não só nos próximos quatro anos, mas, em muitos casos, por décadas.
E para votar de forma consciente, precisamos de educação continuada, que, por sua vez, também precisa ser fundamentada na ciência. Cada vez fica mais latente que a ciência permeia todos os caminhos para um futuro melhor, não é mesmo?
No momento em que um gestor público resolve ignorar a ciência e tomar decisões inconsequentes, ou mesmo não tomar decisão nenhuma —e deixar o caos dominar—, todo este ciclo começa a andar ao contrário. Temos uma perda nos resultados imediatos que logo é seguida por uma perda nos resultados de longo prazo, como a educação.
Por fim: temos de dar ao nosso voto o mesmo valor que damos para a educação, pois é ele que inicia todo o processo que termina em uma política pública assertiva e de qualidade para todos nós.
Por Jairo Marques
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