Para quem capitula diante do próprio desejo, o orgulho LGBTQIA+ é motivo de pavor
O ódio às mulheres se chama misoginia e o ódio aos homens foi batizado de misandria, mas, curiosamente, o ódio aos sujeitos LGBTQIA+ ficou consagrado como transfobia, homofobia e afins. Nada de “transinia” ou similar genérico com som mais palatável.
Fobia é um tema quente da psicanálise e se refere a um sintoma, que pode ser tanto episódico quanto uma passagem da infância. O medo é bem-vindo quando nos alerta para riscos, mas, na fobia, ele tem caráter irracional e enigmático.
Temer e evitar um cachorro com cara de poucos amigos é salutar, mas trocar de calçada diante de um chihuahua é, no mínimo, curioso. A fobia fala de um medo inconsciente deslocado, no caso, para um pobre cachorrinho indefeso. O afeto se revela exagerado diante da causa, mas o fato é que a causa é outra, restando a coragem ou não de desmascará-la.
As crianças costumam ter uma fase fóbica, de medos irracionais. Trata-se de um período no qual estão se havendo com a lei e com o desejo: com o medo de se deparar com a lei, mas também com medo de que a lei não opere. Parece contraditório, mas o prazer, a satisfação e mesmo a —superestimada— felicidade dependem da lei, sem a qual ficamos assolados pela angústia, por sintomas e por inibições, parafraseando um dos mais célebres textos de Freud.
A lei, que permite e restringe a satisfação, não deve ser tão restrita a ponto de tornar o prazer condenado ao estoicismo. Pessoas que adoram alardear o quanto sofrem mal conseguem disfarçar para si mesmas que essa é a grande fonte de satisfação da qual se permitem gozar. A essa satisfação inconsciente, feita mais de sofrimento do que de prazer, Lacan deu o nome de gozo. Alguns martírios religiosos são bons exemplos disso.
Freud não cansou de apontar como o ideal de virtude vitoriana levou mulheres aos sanatórios e como a aposta ingênua na racionalidade iluminista desembocou na carnificina da Primeira Guerra Mundial, provando que o mundo dito civilizado nunca conseguiu uma boa solução de compromisso entre lei, prazer e gozo.
Não existe sociedade que não tenha leis para regular o gozo de seus integrantes. São elas que permitem que, a partir das renúncias necessárias, possamos viver os prazeres e esses, afinal, não precisam ser poucos
Então não é pouca coisa que o nome usado para falar do preconceito, da intolerância, da violência e dos assassinatos de pessoas LGBTQIA+ foi o termo consagrado pela psicanálise: fobia. Nada mais oportuno, uma vez que revela a causa e não a consequência.
A eliminação real do objeto fóbico está entre as soluções mais radicais encontradas para não se ter que lidar com a causa inconsciente do medo. Mas porque o amor erótico consentido entre adultos pode incomodar tanto, a ponto de pessoas serem mortas? É claro que cada um terá que responder em nome próprio de onde vem tanto medo do encontro com a questão LGBTQIA+, mas as pistas são muitas.
A sexualidade e a possibilidade de desejar para além dos ditames patriarcais e heteronormativos é que “matam” de medo o transfóbico. Que alguém deseje, que assuma para si mesmo esse desejo, que o assuma para os outros e, cereja do bolo, que se orgulhe de assumi-lo são passos gigantescos, custosos, perigosos, que nem todos estão dispostos ou têm a coragem de bancar. Para quem capitula diante do próprio desejo —sem sequer saber qual ele seja—, o orgulho LGBTQIA+ é motivo de pavor.
Os covardes que atacam quem se assume fora do cabresto de gênero morrem de medo da própria sombra.
Por: Vera Iaconelli (FSP 05/07/22)
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