Com ajuda de voluntários, pessoas com deficiências também desfrutam da natureza
Se o leitor sempre sonhou em fazer uma trilha, subir uma montanha ou se jogar num rapel, mas acha que essas atividades não são para seu físico, sua idade, suas condições de saúde e limitações, pense mais uma vez. Há um número cada vez maior de PcDs (pessoas com deficiências) e de idosos com dificuldades de locomoção que desfrutam das belezas da natureza graças a projetos como o da ONG (Organização Não Governamental) IR (Inclusão Radical).
Criada em 2018 por William Baruc, a IR se prepara para sobreviver a sua morte por câncer, aos 35 anos, no último dia 10 de abril, da maneira que ele mais gostaria de ser homenageado: dando continuidade a seu trabalho. Um trabalho que mobiliza em torno de 60 voluntários em regime de revezamento para levar por montanhas, parques e trilhas não raro difíceis para quem tem bom condicionamento físico, pessoas que normalmente não poderiam fazer isso por conta própria.
O ponto de partida do projeto aconteceu em 2015, quando Baruc —que não era portador de qualquer deficiência— decidiu comprar uma cadeira adaptada para levar o amigo cadeirante Edison da Silva para o pico do Lopo, em Extrema (MG). Ele conhecia o projeto do montanhista francês Joël Claudel que, em 1987, havia criado uma cadeira para levar seu filho portador de miopatia em suas trilhas. E sabia que, no Brasil, o engenheiro Guilherme Simôes havia criado um modelo adaptado às trilhas brasileiras para levar sua esposa e também montanhista, Juliana Tozzi, acometida por uma doença degenerativa.
A cadeira Julietti, cujo nome homenageia tanto a original Joëliette quanto a musa inspiradora Juliana, fabricada pela Montanha para Todos, foi a primeira aquisição de Baruc, mas não aguentou o peso de Edison e teve quebrado o eixo da roda logo no início da subida.
“Foi um anticlímax”, lembra Jorge Afonso dos Santos, analista de sistemas e parceiro de primeira hora de Baruc, que hoje segue tocando o projeto. “Havia toda uma expectativa, a cadeira havia se quebrado, mas nossa vontade era tão grande de levar o Edison para o alto que decidimos levá-lo até o topo na mão, revezando-nos para carregar pelas barras a cadeira quebrada”.
A expedição pioneira não chegou ao cume, mas alcançou o acampamento na sua base. “Um trajeto que seria de uma hora e meia, levou mais de quatro horas, com oito a dez pessoas se alternando nas barras”, conta Santos. “Isso nos deu uma satisfação tão grande que, a partir daí, decidimos dar continuidade à saga de tornar acessíveis as trilhas desse Brasil afora”.
ACESSIBILIDADE SUSTENTÁVEL
O princípio estabelecido a ferro e fogo por Baruc era de assegurar a acessibilidade sem modificar os espaços por onde passaria com seus convidados. “Não queremos desmatar, colocar caminhos de madeira no meio da floresta, vamos buscando caminhos que permitam conduzir as pessoas por trilhas preservadas como são sempre que possível”, explica Santos. Se a natureza faz as coisas ficarem mais difíceis, paciência, é uma questão de jeitinho e força —também de vontade.”Passar por tudo aquilo com o mínimo impacto possível e trazendo a pessoa para um contato com a verdadeira concepção da natureza, para que ela veja e sinta como nós o habitat natural, essa é a grande missão e satisfação do projeto”, diz Santos.
O analista de sistemas calcula que desde o início o grupo já levou entre 50 e 60 pessoas com deficiências variadas para trilhas e atividades como rapel e escaladas. Pode parecer pouco, mas é preciso lembrar que cada atividade envolve vários desafios e os participantes exigem cuidados maiores e diferenciados em função de cada limitação física.
Atualmente, a IR, por conta própria ou em parceria com a Fundação Florestal de São Paulo, organiza visitas e qualificam monitores em lugares como o Cabuçu, no Parque Estadual da Cantareira, o Parque Estadual Caverna do Diabo, e o Jaraguá, entre muitas outras unidades de preservação. Mas também promove atividades de curta duração, como rapel nos viadutos Santa Ifigênia e Sumaré, em São Paulo, viabilizados junto às subprefeituras da capital paulista.
A varejista de equipamentos esportivos Decathlon participa das atividades, fornecendo equipamentos e roupas adequadas a cada atividade. “Se vamos subir uma montanha no Paraná”, explica Santos, “sabemos que uma pessoa com deficiência sente mais frio do que nós, então vamos levar roupas mais quentes para sua proteção”.
Apesar de toda a infraestrutura mobilizada, as atividades organizadas pela IR são gratuitas. No máximo, quando há necessidade de deslocamento, os custos são rateados, garante Santos. “Não temos nenhuma parceria financeira”, explica. As informações sobre as atividades disponíveis, tanto para PcDs como para quem quiser ser voluntário e participar ajudando o projeto podem ser feitas pelo site da IR, onde o interessado explicita o tipo de deficiência ou limitação de que é portador, ou se quer ser voluntário, recebendo por email as informações de atividades disponíveis.
“De acordo com o perfil descrito na ficha, selecionamos a melhor opção para aquela pessoa, a fim de que seja uma experiência que traga só felicidade, e nunca malefícios”, garante Santos. “Esse é o legado que nosso amigo Baruc deixou e que temos que levar adiante para que mais e mais gente possa sentir a energia e o prazer de compartilhar o bem”.
Por Luiza Pastor (FSP 03/06/22)
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