Espaço permite a engenheiro, que vê em preto e branco, desempenhar suas funções
A primeira ação para tentar dar conforto e tranquilidade ao trabalho de João Vitor Granzotti Machado, 25, foi inusitada: o departamento ficaria com todas as luzes apagadas e os dez funcionários que atuavam ali teriam de tentar se habituar a dar conta de suas demandas no escuro.
A medida inclusiva durou uma semana. Não deu certo deixar todos no quase breu com apenas os monitores dos computadores emanando luz. A empresa de tecnologia onde o jovem trabalha —a Tractian — , então, improvisou um biombo, com cortinas pretas, para atender a necessidade visual do rapaz.
Há pouco mais de um mês, foi inaugurada a solução definitiva para dar equidade de oportunidades ao líder de ciência de dados desempenhar seu trabalho, um “dark mode”, ou sala escura, que atende a necessidade de João por um ambiente com iluminação restrita.
Quando criança, João teve um atrofiamento do nervo óptico, o que acabou gerando uma rara combinação de síndromes: acromatopsia, fotofobia, hipermetropia e astigmatismo. Atualmente ele enxerga em preto e branco e tem entre 15% e 30% de visão, dependendo do ambiente.
A sala —que é integrada a outros ambientes da empresa, como um módulo— tem dimensões de uma grande caixa, com dois metros de altura e oitenta centímetros de profundidade, e promove a escuridão que João precisa. Ele também tem a sua disposição instrumentos digitais acessíveis e um monitor de 32 polegadas, com grande definição de contraste e de brilho e com uma paleta de cores especial.
“Quando você tem uma deficiência, geralmente, não vão te negar uma ajuda, mas também será raro que te ofereçam o que você realmente precisa para ter igualdade”, diz o engenheiro.
“Na escola, por exemplo, eu podia usar minha lupa, que parece uma mira de sniper, uma luneta de pirata, para enxergar o que estava na lousa, mas apagar a luz da sala seria bem mais complicado, mexeria com o restante dos alunos. Os professores até topavam preparar provas com letras maiores para mim, mas, quando chegava o dia do exame, sempre esqueciam.”
O jovem estudou a vida toda em escola pública, em Pirassununga (SP), ganhou habilidades para a vida com a baixa visão no Instituto Laramara, na capital paulista, e cursou engenharia da computação em uma das melhores universidades da área no país, a USP de São Carlos.
Filho de um sargento aposentado da Força Aérea e de uma dona de casa, a primeira formação na área de tecnologia, na qual virou especialista, foi um curso de técnico de informática. “Meu pai ia junto comigo para me ajudar. Era engraçado porque ele sempre foi muito rígido e me dava bronca no meio das aulas também e os colegas davam muita risada.”
Para conseguir ter contato com o conhecimento e autonomia, além de precisar de uma iluminação diferente, João lança mão de instrumentos de acessibilidade como lupas, miras telescópicas e uma bengala verde, que indica a baixa visão.
“Eu me lasquei muito na vida até chegar onde cheguei. Chorei muito com minha mãe, briguei para ser respeitado e incluído, sofri. Tive de aprender a lidar com minha condição e aprender a conviver com ela. Todos temos desafios na vida. Ser feliz depende da forma como você lida com seu sofrimento.”
Ter uma parte do ambiente de trabalho modificado, mesmo que para melhorar as condições laborais de um funcionário, precisa ser uma medida harmônica e com entendimento geral na empresa.
O engenheiro João Vitor Granzotti, que tem baixa visão e enxerga em preto e branco, com seus instrumentos de acessibilidade para ler
De acordo com Tabata Contri, consultora de inclusão na Talento Incluir, “o mercado de trabalho, cada vez mais, fala em equidade, que é diferente de igualdade, que significa tratar todo mundo igual, sem considerar a singularidade das pessoas. Equidade é tratar diferente quando isso é necessário para que a pessoa seja produtiva. Pode ser por meio de uma ferramenta específica, flexibilizando uma habilidade técnica ou comportamental, fazendo um ambiente diferente porque a pessoa é diferente”.
De acordo como CEO da Tractian, Igor Marinelli, a empresa quer ser um “modelo de diversidade”. “Oferecemos vagas voltadas para diversidade tanto [no trabalho] remoto quanto presencial. Aqui, há uma preocupação da empresa com o ambiente e a pessoa. Um exemplo bem claro disso é a construção do ‘dark mode’, declara.
João está há quase dois anos na empresa, onde começou como estagiário. “Na minha entrevista de emprego, nem me perguntaram sobre possíveis demandas da minha deficiência, isso não era uma questão. O que importou foi minha capacidade de desempenhar a função, o que muda tudo na motivação.”
por Jairo Marques (01/04/22 FSP)
Deixe um comentário