Estudo descobriu que a sonata reduz a atividade epiléptica de pacientes com epilepsia grave
“Ritmo e harmonia encontram seu caminho até lugares dentro d’alma”. Essa é uma das frases de Platão, síntese do que intuitivamente sabemos: músicas e emoções estão conectadas fortemente. Não sabemos quais são as exatas razões biológicas que sustentam a relação humana com as notas musicais. Nem, precisamente, entendemos como a música afeta nossa cognição. A música é um mistério.
Enigma com grande apelo especialmente para Frances Rauscher, psicóloga e violoncelista. Ela uniu a primeira arte à ciência. Em sua célebre pesquisa realizada na Universidade da Califórnia, descobriu que quem ouvia, por dez minutos, a sonata em D maior para dois pianos de Mozart, ganhou 8 pontos de QI. Tardiamente, atenta aos pormenores de seu estudo, descobriu estar o ganho intelectual restrito às habilidades de raciocínio espacial. Esta propriedade musical ganhou nome: o efeito Mozart.
Em termos práticos, arquitetos desenhariam plantas com maior facilidade e motoristas planejariam melhor suas rotas se ouvissem pianistas seguindo as partituras do músico austríaco. Alguns pesquisadores depois sugeriam que escutar regularmente Mozart resultaria em melhoras duradouras da performance.
Estes achados ganharam notoriedade exagerada espalhada mundo afora. Você, meu querido leitor, deve ter ouvido que escutar clássicos deixa as pessoas mais inteligentes. Foi daí que esta conversa tomou força e inspirou algumas medidas questionáveis.
Por exemplo, Zell Miller, quando governador do estado americano Geórgia, planejou entregar gravações de músicas clássicas para cada bebê nascido em seu estado. Estava esperançoso de formar uma nova geração inteira mais capaz. O político não valorizou um detalhe técnico, o incremento cognitivo após ouvir a famosa sonata era um privilégio exclusivo de adultos.
Mas este pormenor não encobria a magia encerrada no efeito Mozart. Havia a prova de que escutar música melhoraria funções mentais não correlacionadas às habilidades de interpretar ou produzir sons. Esta influência do belo sobre nossa natureza parecia enaltecer a mente humana e afastar a suposição de que nosso cérebro é um mero órgão primata.
Parece bom demais para ser verdade. Outros pesquisadores céticos resolveram testar a hipótese de Rauscher, e encontraram resultados decepcionantes. Ao que parece é o deleite, qualquer deleite, e não a música em si, que causa a melhora cognitiva. A ciência não é a ânsia pela beleza, além de ser bem desconfiada.
Enquanto alguns cientistas desiludiam as expectativas otimistas como as de Zell Miller, outros estudavam o impacto terapêutico da música. Assim, o efeito Mozart, de uma ferramenta para melhorar a inteligência, foi transformado em promessa contra epilepsia.
Alguns estudos apontam que escutar música durante o sono e a vigília parece ter um efeito antiepiléptico. É interessante que os melhores resultados obtidos vêm com a sonata de Mozart. Esta peça bate a eficácia de músicas contemporâneas, do estilo musical preferido do paciente, das obras de Haydn e de outras composições do próprio Mozart.
Sem desconfiar, o precoce artista talvez tenha criado uma música anticonvulsivante. Sabemos que existem redes neurais que, quando ativadas, favorecem crises epilépticas, mas há outras com atributos contrários. Provavelmente, a organização de ritmo e harmonias modificam atividades destas conexões de tal forma que a epilepsia se acalma.
Ainda há dúvidas sobre o efeito de Mozart contra epilepsias. Existem muitas críticas sobre os métodos de pesquisa que confirmaram este benefício terapêutico. Uma recente metanálise desqualificou a maioria destas experiências. Mas já há dados robustos que a sonata reduz a atividade epiléptica de pacientes com epilepsia grave. Se estes efeitos se sustentarão por muito tempo, se terão uma correlação clínica, ainda não sabemos, são questões ainda não respondidas.
Alguns pacientes com epilepsia continuam a sofrer convulsões mesmo se tratados com os remédios adequados. A notícia de que música pode ajudá-los traz uma perspectiva de um tratamento barato e sem riscos. A força de Mozart é um encanto.
Por: Luciano Magalhães Melo (FSP 07/04/22)
Referências
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