Sociedade e Estado também são culpados
Por: Caio Guatelli
Ontem um amigo comentou que está morrendo muito ciclista por aí. É preciso corrigi-lo —estão matando muito ciclista por aí. E isso não é função só minha, como interlocutor, é função do Estado.
Há uma tendência, especialmente entre os que não são adeptos da pedalada, de achar que ciclista se insere no trânsito por sua própria conta e risco.
Quando um ciclista morre no trânsito, um julgamento equivocado já se faz implícito —”a metrópole não comporta bicicletas”. Para muita gente, parte da culpa recai automática e imediatamente sobre o ciclista.
Só na semana passada isso aconteceu três vezes.
Victor Hugo Ribeiro foi atropelado no dia 6 enquanto passeava, Claudemir Kauã dos Santos Queiroz no dia 10 enquanto trabalhava, e Marcelo Henrique Maciel no dia 13 enquanto treinava. Todos morreram instantaneamente, vítimas de motoristas embriagados ou que disputavam racha.
Uma multidão preferiu considerar que as escolhas desses ciclistas —pedalar em estradas ou em avenidas de São Paulo— era parte da causa de suas mortes violentas. Isso precisa mudar, urgentemente.
Victor, Claudemir e Marcelo estavam exercendo seus direitos, não infringiam lei alguma e se comportavam com responsabilidade. São vítimas de crimes que passam impunes por tribunais Brasil afora, recorrentemente.
Nos três casos os atropeladores foram presos em flagrante. Contudo, poucas horas depois, todos ganharam a liberdade.
Três diferentes juízes se apoiaram no mesmo argumento —a gravidade do crime não comporta a conversão do flagrante em prisão preventiva.
O veredito se replica pelo espaço e tempo, e a decisão se transforma em cultura.
Para o entendimento da sociedade, o crime de trânsito passa a ser tolerado, não dá em nada. Dirigir embriagado ou em alta velocidade se torna prática comum (assim como tantos outros crimes de trânsito).
Para o Estado, Victor, Claudemir e Marcelo viraram meras estatísticas. Foram juntados a outras vítimas, como se juntam pilhas de papéis nas gavetas esquecidas dos fóruns ou casas legislativas.
A mudança de comportamento requer conscientização. No trânsito da metrópole, a proteção de pedestres e ciclistas é dever de todos, da sociedade e do Estado. Enquanto isso não for consenso, o atropelador não é o único culpado —Estado omisso e todos os que contribuem para expurgar o ciclista do espaço público, também devem assumir suas culpas.
PRESSÃO
Para participar do movimento que pede a mudança nas políticas públicas de proteção ao ciclista, participe das manifestações, pressione legisladores e gestores públicos, alerte e oriente seus amigos e parentes —o espaço público deve ser compartilhado por todos, com segurança.
*Imagem em mosaico se refere a um corpo de ciclista atropelado, estendido em rodovia – arte sobre foto de Denilson Fragoso
***Não quero morrer pedalando, mas não vou deixar de pedalar (eu)
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