DE FABRÍCIO CARPINEJAR PARA THIAGO DE MELLO
ESTATUTO DO POETA
Artigo I
Fica decretado hoje o luto das árvores, das pedras, dos barcos no Amazonas. Ninguém pode entrar na floresta – a brisa está em carne viva. Ninguém pode pescar – os peixes estão chorando e subindo a maré.
Acabou de partir para o infinito um dos maiores poetas da nossa história, Thiago de Mello, 95 anos, traduzido por Neruda, conhecido em mais de trinta idiomas.
Artigo II
Não há caminho novo, só um novo jeito de caminhar.
Artigo III
Que a bata branca cubra a lua para sempre. Que não seja mais necessário consultar o sentido da palavra Liberdade no dicionário.
Artigo IV
Que a coragem tenha direito a uma canção de ninar. Para dormir feito uma criança, desperte feito esperança.
Artigo V
Que as cinzas do Poeta sejam sopradas para o fogo dos nossos corações, para aprendermos a voar com as mariposas.
Artigo VI
Que a biografia de qualquer pessoa não se resuma mais a duas datas.
Artigo VII
Que os pássaros tenham um verso preso em suas pernas. E que toda pena no céu se misture às telhas, formando um cocar colorido para toda casa solitária e triste.
Artigo VIII
As mentiras estão suspensas até segunda ordem, o divórcio entre palavra e atitude fica anulado em todo território nacional. Agora vale a verdade, agora vale a vida: a vida verdadeira.
Artigo IX
Decreta-se que sexta-feira é também domingo. Girassóis serão postos nas janelas para atrair o sol da delicadeza.
Artigo X
Que as nossas dores só ocorram mediante a saudade. Que nossa memória só seja recebida via gratidão.
Artigo XI
Que a confiança jamais seja negada pela armadura da aparência ou pela couraça do silêncio. Que confiemos um nos outros como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu, como um menino confia em outro menino.
Parágrafo único: Que dê a mão depois de conceder a alma numa gargalhada. Que o milagre do riso se torne suficiente.
Artigo XII
Dentro do pouco que você sabe a seu respeito, que se ofereça por inteiro.
Artigo XIII
Quando estiver escuro, cante alto para acender as estrelas. Os pirilampos vêm junto com a voz.
Artigo final
Não se morre mais depois de ler um poema de Thiago de Mello.
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