‘Turma da Mônica: Lições’, novo filme baseado na obra do genial desenhista, tem espírito atado a conceitos que refrescam a atualidade, como diversidade, empatia e tolerância
Qual a sua chance de chegar aos 86 anos, olhar para os seus maiores feitos de vida e declarar ao mundo: “Vamos mudar tudo isso aí. Modernizar, incluir mais gente, olhar para o futuro, rever conceitos e mostrar novas perspectivas”?
É muito disso o que vi no filme “Turma da Mônica: Lições”, baseado na obra de nosso gênio dos quadrinhos, Maurício de Sousa, orquestrado de maneira delicada e inteligente por Daniel Resend
Fiquei pensando, enquanto me deliciava vendo a película com minha filha biscoita, no poder da boa escuta para a construção do sucesso e da evolução em qualquer área da vida da gente, inclusive naquelas onde imaginamos que tudo está certo, que tudo funciona muito bem.
Parte importante dos brasileiros ama ou curtiu muito as aventuras da turma do Limoeiro e tem as múltiplas referências da criação no imaginário. Como nasci lá perto do brejo, Chico Bento é um ídolo para mim e foi uma companhia durante muitos anos de infância.
Embora todas as referências mais marcantes e tradicionais da obra de Maurício estejam em Lições, como o coelho Sansão, as casas de vila, a praça pública, os planos infalíveis e a molecada solta, o filme tem um espírito atado a conceitos que refrescam a atualidade, como a diversidade, a empatia, a tolerância e o acolhimento das individualidades.
Gostar de criança já é pretexto mais do que justificável para assistir à exibição. A seleção do elenco é de uma delicadeza e de uma profundidade que dá orgulho de ser brasileiro. Milena, uma das personagens mais recentes da turma, é interpretada por uma menininha que leva a negritude para o justo protagonismo e visibilidade da cor.
Emilly Nayara é Milena, primeira menina negra da Turma da Mônica, que surgiu nos quadrinhos em 2017
Aqui preciso dar um spoiler, pois é métier deste escrevinhador: Humberto, personagem que passou a história, até aqui, com um “surdo-mutismo” incômodo e ultrapassado para as pessoas com deficiência, uma vez que a condição é estigmatizada e imprecisa, surge na trama mantendo integralmente sua simpatia, mas encaminhando o entendimento de sua condição como uma questão de fala a ser elaborada.
Os “filhos” de seu Maurício foram mexidos, parcialmente repaginados, aprenderam com a vida e ensinaram ao pai, que pensa, olha —deve se incomodar um bocado também, naturalmente— e se abre àquilo que dialoga mais com o conjunto da infância e da humanidade que se busca hoje.
Em uma realidade em que há pessoas vendo a cauda do cometa vindo em direção à Terra e achando que aquilo é só um rabisco das estrelas, em uma realidade em que um resultado acachapante de uma vacinação não é suficiente para convencer dirigentes de que os pequenos devem ser imunizados e protegidos, é muito mais do que um alento assistir à postura de um vencedor quase nonagenário dizendo a mirins: “Muito boa sua ideia, vamos em frente. Cascão, Cebolinha, Mônica e Magali podem crescer, podem seguir destinos que eu não tracei para eles”.
Espero muito que este ano seja como Lições, aberto à construção de jeitos novos de pensar, de entender o outro e suas angústias, seus sabores e suas loucurinhas. O movimento de abrir as portas para toda a turma ainda está em curso e não vai perder velocidade, mas ainda falta “descontluir” conceitos, como aderiu o “Maulício”.
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