“Ele fala ou só fica assim paradinho?”… Minha família e meus amigos mais próximos tiveram de responder a esta pergunta vinda de curiosos diante de minha condição de cadeirantinho por centenas de vezes ao longo da minha infância.
A insistente atitude que temos de projetar incapacidades nos outros –ou de não vislumbrar suas capacidades– é especialmente mais displicente e despreocupada com a criança com deficiência.
Algumas décadas se passaram, já me tornei um “senhor cadeirante”, mas resiste entre nós um conceito extremamente ultrapassado de achar que os pequenos com algum tipo de comprometimento físico, sensorial ou intelectual –sobretudo os que aparentam condições muito desafiadoras de estar vivo– não possuem condições de se expressar, de interagir, de falar a seu modo, de gritar para o mundo os seus desejos.
Passamos o dia “conversando” por aplicativos, achando graça de figuras e dancinhas das “internets”, mas há uma dificuldade e um certo constrangimento de pensar que um sacolejar de pernas, uma piscadela, um agitar de cabeça ou mesmo um pezinho que balança pode representar uma porção de coisas e, vindas de uma criança, é bem provável que seja um gracejo, um afago ou um convite para conversar um pouco mais.
Ana Beatriz, que tem Síndrome de Down, ao lado da mãe Rubens Cavallari
A limitação de uma comunicação mais efetiva com um pequeno surdo, surdocego, paralisado cerebral ou com autismo, por exemplo, não está nele, mas, sim, no adulto que esqueceu que há poder de palavras nos gestos que fazem coração no ar, no toque que desenha um sol na palma da mão, numa troca de olhares que abraça gostoso, em uma fungadinha no pescoço que faz gargalhar.
Saindo do campo das abstrações emocionais, hoje, com tecnologia, avanços pedagógicos e interação digital é possível abrir possibilidades sem limites para que as crianças exponham suas opiniões, respondam a questionamentos, deem retornos de aprendizado e troquem ideias, impressões. Toda criança independentemente do quão severo seja tachado seu desafio de existir.
Achar que não vai rolar o papo, a resposta, a troca é um buraco de entendimento, insisto, não da criança com deficiência, mas do adulto sem poder de imaginação, sem conhecimento das milhares de possibilidade humanas, sem coragem de desenhar no papel um barquinho que navega, voa e vai para onde quiser com vento, com brisa, com um asoprão.
Minha filha biscoita, que não tem deficiência, às vezes, fala da hora que acorda até a hora que resiste ao máximo para dormir. A necessidade de explodir o que pensa para quem está por perto, ou passa por perto, é necessidade básica dos pequenos.
Nenhuma criança pode ter ignorada sua maneira de dizer o que está achando de tudo que a cerca e que a emociona. Cabe a nós receber, repercutir e ampliar essa mensagem que pode chegar em forma de ladainha ou de um semblante meio enrugadinho. Sentimentos represados na infância, muitos já experimentamos isso, podem desaguar como choros incontidos em outros momentos da vida.
Que esta Semana da Criança seja oportunidade para festejar a infância sem que ninguém fique de fora do parabéns a você, seja cantando, seja brincando, seja podendo dizer “é pique, é pique” de qualquer forma, até em silêncio, mas que deixemos falar e estejamos sempre dispostos a ouvir.
Por: Jairo Marques (FSP 13/10/21)
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