Sempre achei que fossem as experiências de vida que formassem o alicerce de nosso preparo para encarar os desafios emocionais que vão surgindo na jornada louca que é o acordar todos os dias. Estava enganado!
Embora nossa coleção de histórias constitua bagagem indubitável para os enfrentamentos do existir, é preciso perder a ilusão de que isso irá bastar para conter qualquer crise de sentimentos, pandemias, desgraceiras e loucurinhas ocasionais que fatalmente irão surgir para todos em algum momento.
Se a lógica das vivências anteriores fosse inquestionável, eu estaria imune a tudo, preparadíssimo para encarar o que viesse, uma vez que, em minha trajetória, já cruzei com coisas do tipo: preconceito, exclusão, buraco na calçada, buraco no peito, ausência de recursos, recursos ausentes, amargores, perdas, dores de todos os níveis… e outras coisas para além do que alcança a imaginação de quem apenas assiste a vida de uma pessoa com deficiência nascida em berço de papelão.
Os acontecimentos e fatos a que estamos expostos, em si, podem não ser suficientes para servir de guia na busca de saídas para os dilemas da alma, da mente, podem não formar instrumentos infalíveis para o desatar de encontros com as angústias, com as tristezas, com as perdas, com as decepções, com os dissabores ardidos das surpresas que vão se apresentando.
“Gzus, o confinamento fritou o juízo do colunista, coitado!” Com mais tempo para observar questões particulares e com mais demandas de socorro a situações de feridas internas de amigos, fui me dando conta de que muitos de nós negligenciamos as competências emocionais ou não tivemos o devido acesso à sua formação, de que temos certa —ou muuuita— dificuldade no encontro com situações que sacolejam e afligem a paz da cachola, das ideias, do ilusório controle de nossos sentimentos.
Mais do que localizar a importância das tais competências emocionais, é fundamental que se abram oportunidades de formação dessas habilidades que não necessariamente estarão ancoradas no apoio profissional direto, mas que também passam pelo reconhecimento de que é preciso submeter-se a uma “intervenção cirúrgica” especializada para estancar as dores de “serumano”.
Escutar desarmado como pessoas próximas interpretam nossos apagões sentimentais e levar realmente em consideração as sugestões feitas de como voltar “à luz” quase não tem custo e pode ter grande eficácia.
Tentar práticas já comprovadamente saudáveis para o reencontro do equilíbrio, como a ioga e a meditação —que eram atividades um tanto escanteadas ou elitizadas, de nicho, por pura desinformação— também pode ser uma maneira de gerar capacidades de autocuidado.
E, para além do eu, cabe a tarefa de atuar para melhorar o estado mental de futuras gerações que, muito provavelmente, terão de encarar desafios de incômodos da consciência em profusão, ou alguém acha que passar dois anos dentro de casa, sob a tutela de adultos entrando em parafuso não será osso duro para os pequenos roerem em algum momento?
Nunca tivemos de lidar com a proximidade de tantas mortes, tantas dores, tantas perdas, tantos remendos, tantas rupturas, tanto acúmulo de pensamentos sem vazão para a rua, para a festa ou para ouvidos alheios.
O custo tem sido alto para muita gente, mas há solução: a busca de competências que muitos de nós nem sabiam que poderiam existir.
Por Jairo Marques (FSP)
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