Estudo mostra que a terapia age sobre nervos e que, ao contrário da homeopatia, não depende de efeito placebo
Acupuntura no Ocidente ainda é considerada tratamento “alternativo”. Os “meridianos” por onde o fluxo de energia supostamente pode ser manipulado pela colocação de agulhas em pontos específicos do corpo até hoje não encontram suporte em estudos anatômicos. Mas, ao que parece, o problema estava em esperar que tais meridianos fossem canais ou tubos. Segundo um estudo recente, em colaboração entre pesquisadores nos EUA e na China, a acupuntura age diretamente é pelos nervos, mesmo.
E o que é melhor: funciona até em camundongos anestesiados. Ou seja: não só acupuntura não é prerrogativa humana, como certamente não depende de efeito placebo (ao contrário da homeopatia). De quebra, a eficácia comprovada da acupuntura em roedores permite a pesquisadores o uso de todo um arsenal de modificações genéticas e farmacológicas para testar diretamente os circuitos e mecanismos de funcionamento da acupuntura.
Os autores do estudo publicado na revista Neuron usaram eletroacupuntura, que tem o benefício adicional de ter intensidade controlada, para tratar camundongos submetidos a injeção de uma dose de lipopolissacarídeos (LPS), que envolvem bactérias, alta o suficiente para causar uma tempestade inflamatória tão intensa que leva 80% dos animais à morte em três dias. Como a resposta extrema ao Covid-19, aliás: o inimigo é combatido, mas às custas da destruição do próprio corpo.
Pois bem: uma única sessão de 15 minutos de eletroacupuntura no ponto ST36, na coxa, 90 minutos após a injeção de LPS mostrou-se suficiente para conter a resposta inflamatória a ponto de permitir que mais da metade dos animais sobrevivessem. A estimulação elétrica do ponto ST36 ativa, via nervos sensoriais, um reflexo parassimpático, que pelo nervo vago estimula a glândula adrenal a liberar no sangue substâncias anti-inflamatórias.
Já em outro ponto, ST25, no abdômen, os efeitos acontecem por um arco reflexo simpático, medular —e dependem do contexto. Com eletroacupuntura logo antes da injeção de LPS, mais de metade dos animais sobreviveram à inflamação generalizada que se seguiu —mas a mesma aplicação durante a inflamação sistêmica só fez piorar a situação. Nessas condições, nenhum animal chegou às 72 horas de sobrevivência.
O estudo revela que acupuntura pode, sim, ter contraindicações —mas agora que sua base na estimulação de reflexos fisiológicos foi descoberta, surge a possibilidade de entender as fontes da complexidade desse tratamento milenar e mesmo usar eletrodos, em vez de agulhas, para ativar nervos de maneira controlada. Ou então, apelar para a versão low-tech: beliscões no lugar certo também funcionam.
Suzana Herculano-Houzel
Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).
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