10/07/2008 – Jornal Newsday – Valerie Karr.
No fim de semana passado, na minha sorveteria preferida, eu conheci um adorável garotinho de 4 anos chamado Sully. Ele tinha olhos azuis brilhantes e inquisitivos, um sorriso feliz e, julgando por seus traços, síndrome de Down.
Poucas semanas antes eu havia lido uma estatística estarrecedora: 92% dos fetos diagnosticados com síndrome de Down estão sendo abortados. Normalmente, eu não me debruço sobre o tema do aborto, mas esse número me veio à mente quando eu olhei para o Sully. Com apenas 8% de prováveis pais de bebês com síndrome de Down optando por ter o filho, Sully pode crescer sem colegas como ele com quem interagir ao longo de sua vida. De alguma maneira nós estamos dizendo que as vidas de crianças com síndrome de Down valem menos do que aquelas que chamamos de crianças normais.
Decididamente, os custos econômicos de criar uma criança com síndrome de Down pode ser oneroso. O estresse emocional pode causar tensão entre os pais. Pode haver complicações médicas sérias. Na verdade, numa pesquisa conduzida por Brian Skotko da Escola de Medicina de Harvard, 3000 mães que receberam a notícia de que seus filhos tinham síndrome de Down relataram que os médicos se expressaram de forma negativa a respeito de sua escolha de prosseguirem com a gravidez.
Algo profundo e perturbador está no âmago deste dilema. Se os pais e até os médicos depreciam a vida de uma criança com síndrome de Down, que perspectiva ela terá em sua vida e como será julgada pela sociedade em geral?
É claro que a taxa de 92% apenas diz respeito àquelas mulheres que se submetem a exame pré-natal para rastrear deficiências. A prevalência de crianças nascidas com síndrome de Down ainda não caiu muito nos Estados Unidos (é aproximadamente de 1 em 733), o que quer dizer que muitas grávidas não estão fazendo esses testes. Mas o exame pré-natal tornou-se mais seguro e corriqueiro entre mulheres mais jovens, e agora mais de 70% delas têm se submetido a eles. Então, a questão é o que essas mulheres, esses pais e médicos farão quando tiverem a informação sobre a deficiência de um bebê antes dele nascer? Na velocidade que se caminha, nós eventualmente vamos exterminar as crianças com síndrome de Down da sociedade.
E o mundo vai perder a oportunidade de experimentar esses maravilhosos e generosos membros de nossas comunidades. Sim, frequentemente pais de crianças com síndrome de Down vivem um sentimento de luto e choque quando recebem o diagnóstico, mas, mais tarde, esses pais expressam o prazer e a alegria que seu filho trouxe para a família, e o otimismo que sentem acerca de seu futuro. Crianças com síndrome de Down brincam com os amigos, participam de programas de esporte, se formam no ensino médio e podem viver independentemente na comunidade com os apoios adequados.
Hoje, existem listas de espera de pessoas que querem adotar crianças com síndrome de Down nos Estados Unidos e em outros países. A Sociedade Nacional de Síndrome de Down tem trabalhado junto a profissionais de saúde para tornar todos os aspectos de se ter um filho com síndrome de Down – inclusive os positivos – conhecidos pelos pais quando eles recebem o diagnóstico.
A síndrome de Down não é a única deficiência que vem sendo atacada no útero. Recentemente um Laboratório de Genética francês identificou uma região no cromossomo número 16 que aparentemente está ligado ao autismo. Esse estudo imediatamente levantou questões sobre disponibilizar exames pré-natal para autismo. Se as estatísticas de síndrome de Down indicarem alguma coisa, isso pode representar uma nova onda de aborto relacionado à deficiência.
Esses abortos levantam questões dolorosas normalmente relegadas às esferas religiosas ou filosóficas. Nós só queremos crianças “perfeitas”? A sociedade valoriza mais pessoas “normais” do que as que têm deficiência? A igualdade inalienável entre todos os seres humanos é uma fraude?
Por ironia, o mundo aparentemente baniu a discriminação contra pessoas com deficiência através de leis que vão desde o precursor “Ato dos Americanos com Deficiência” até a recente Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”. Parece que nós evoluímos muito, mas talvez o avanço não seja tão grande. O movimento de eugenia no começo dos anos 1900 foi o precursor do genocídio nazista germânico de pessoas com deficiência. Noventa e dois por cento é efetivamente exterminação, sancionada por médicos e pais. É um número que reflete a atitude mais ampla da sociedade a respeito das pessoas com deficiência.
Nós resolvemos nos tribunais, por enquanto, a questão do aborto. Permanece sendo uma escolha da mulher. Mas essa escolha fica comprometida se as comunidades menosprezam seus deficientes. A vasta maioria destas vidas são ceifadas dentro do útero, condenadas pelo status de disponibilidade, apesar do fato de que crianças como Sully podem viver vidas longas, felizes e enriquecer a todos a quem tocam. Reconhecimento da igualdade entre todas as crianças – inclusive crianças com deficiência – é o primeiro passo para legitimar o direito da mulher a uma escolha verdadeira e a uma aceitação mais ampla por parte da sociedade dos direitos das pessoas com deficiência.
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