A comemoração da independência do Brasil neste ano casa com a aceleração da retomada da vida lá fora. As cidades voltaram a bombar, as pessoas estão circulando como se não houvesse amanhã e o coronavírus está adorando a oportunidade de continuar quebrando recordes de mortes.
Não sou nenhum defensor da clausura. Sinto, com toda a família e amigos, os impactos aterradores de ficar tanto tempo em casa, mas esse retorno alucinado ao shopping, às praias e à rua, com metade das pessoas usando máscaras no queixo e mantendo distanciamento social de república de estudantes em quitinete, faz com que o grito de liberdade saia um tanto sufocado.
Estamos mais pobres, muito mais sensíveis, com as emoções cambaleantes e com os meninos alucinados pulando no sofá porque a escola não voltou a funcionar. Então, assim, meio sem planos e com uma mala de angústias, partimos para a rua em busca de sol, ar puro e alguma interação.
Sair de nossas cavernas sem compreender de fato como lidar com a luz, como enfrentar os monstros que brotaram em toda parte, pode ser uma experiência desastrosa. Não há álcool em gel que dê conta de esterilizar o afã de cumprimentar os amigos. Não há falatório suficiente para convencer as crianças a não rolarem de corpo e alma nos parquinhos da praça, do condomínio.
Antes de retomar tudo o que nos enche de saudade e de ausências, é muito necessário que retomemos aquelas sensações profundas de dúvida acerca do nível de proteção de nossos pais e dos nossos filhos e que, mesmo de forma acelerada, lembremos as imagens dessa pandemia, as dores que ela deixou e deixa e resgatemos aqueles pensamentos de que “a vida precisa ser bem melhor e será”.
Lições históricas só são aprendidas e consolidadas quando martelamos muito as suas passagens de maneira legítima. Em Berlim, os museus, os monumentos e até bares e comércios choram e resgatam os aprendizados do Holocausto diuturnamente.
Talvez, por isso, a nossa independência não provoque assim muito desejo de hastear bandeiras, de sair cantando o hino. Não sabemos se dom Pedro estava sobre um cavalão ou se era ele mesmo o bicho, não sabemos se resgatamos a autonomia sobre nosso destino ou se assinamos um financiamento eterno e não temos a menor ideia do que sejam ímpias falanges nem se elas, ao menos, estavam bem higienizadas com muita água e sabão.
O que é cada vez mais claro e histórico na crise pandêmica é que seguimos com aquele espírito do grande espertalhão sobretudo, agora, no caminho de volta. Queremos ser os primeiros no bar, no parque, na academia, na padaria, na barraquinha, custe o que custar!
Seguimos fingindo não entender o que são prioridades e por que elas precisam ser respeitadas. Seguimos atrás do lucro fazendo reservas duplicadas em restaurantes e lotando o salão. Seguimos achando que essa danada Covid-19 é coisa de gente fraca e que a cara dela não é tão hostil como “se fala”.
Brava gente, vamos com parcimônia e consciência na retomada, sem deixar para trás fatores como consciência de coletividade, responsabilidade com os mais vulneráveis e espírito de humanidade, de colaboração.
Tudo indica que a independência, de verdade, ainda demanda um tempo, ainda demanda muita ciência e ainda demanda o bolo da festa, a alardeada vacina.
A pátria livre, nossas vidas livres passam pela imunização de nossos afãs de atropelar tudo o que sustenta a nossa segurança, bem-estar e dias mais felizes.
Por: Jairo Marques (FSP)
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