Pesquisa descobriu como transferir para camundongos idosos os principais benefícios da atividade física
Para quem já estava devendo no setor de atividade física, a quarentena certamente ofereceu um arsenal de desculpas perfeitas. E mais: se nos países que investem em pesquisa, os cientistas conseguem desenvolver uma vacina testável em apenas seis meses, já era tempo de alguém inventar também uma cápsula que faça as vezes do esforço físico sem a parte do esforço, não? Sem precisar se expor na academia? Sem botar o pé na rua?
Preguiçosos no sofá, alegrem-se: a ciência nos Estados Unidos continua, e a equipe de Saul Villeda, na Universidade da Califórnia, em São Francisco, descobriu recentemente como transferir para camundongos idosos e perfeitamente sedentários os três principais benefícios do exercício físico. O tratamento é um tanto vampiresco, mas funciona que é uma beleza: basta transferir plasma do sangue de outros camundongos ativos, não importa se jovens ou já também idosos.
Já era sabido que músculos e fígado no corpo exercitado produzem proteínas que circulam no sangue e entram no cérebro, onde fazem coisas boas acontecerem com neurônios, a começar pela produção de BDNF. O nome completo desta proteína é “fator neurotrófico derivado do cérebro”, mas o que importa é que ela é o que chega mais perto de uma poção neuromágica: quando produz mais BDNF, o hipocampo, bloquinho de notas do cérebro, funciona melhor, e aprendizado e cognição melhoram.
A educadora física Teresinha Alves de Jesus, 66 anos, está gravando vídeos com aulas de dança e alongamento durante a quarentena Rubens Cavallari/Folhapress
Pois bem: Villeda e equipe demonstraram que dissolvido no plasma (a parte líquida) do sangue de animais que se exercitam habitualmente existem níveis mais altos de uma enzima, de apelido GPLD1, e transferir para um animal sedentário o plasma com mais GPLD1 ativa também transfere os benefícios do exercício.
A enzima em si não entra no cérebro, o que indica que ela faz alguma outra coisa ainda no sangue que, esta sim, entra no cérebro e melhora as coisas, começando com aumento da produção de BDNF. Mais pesquisas dirão.
O que importa é que estamos cada vez mais perto de poder tomar um remedinho para manter o cérebro saudável sem precisar fazer força. O próprio BDNF teria que ser injetado direto no cérebro; o GPLD1, em princípio, teria que ser injetado no sangue, mas, descobrindo-se o mecanismo afetado, já, já vem uma pílula.[ x ]
Que, aliás, eu vou me recusar a tomar. Dar BDNF pro meu cérebro é só parte da razão de eu gostar de exercício. A sensação de conquistar algo com esforço e o suor não vem em pílulas. Dizem que uma cocainazinha chega perto, mas ainda assim não dá o barato que o cérebro sente de se propor um desafio, chegar lá –e, de quebra, habitar um corpo ainda forte e autossuficiente.Suzana Herculano-Houzel
Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).
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