Jairo Marques
Jornalistas de todos os meios de comunicação minimamente ligados a sua função social passam parte de seu tempo pensando em formas de promover um tal “sensibilizar” de pessoas para o acúmulo escandaloso de mortes pela Covid-19 no Brasil, que hoje está na marca de 12.4003.
Com menos consciência da montanha de vidas perdidas, processo puxado pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, que faz questão de ser alheio à tragédia em curso e não chama para si o compromisso de unir o país em busca de sanidade, mais gente vai zanzando pelas ruas e se expondo ao vírus, que se espalha mais e mata mais a cada dia.
Setecentos cadáveres hoje, oitocentos cadáveres amanhã, mil histórias de vida rompidas em 24 horas são índices aterradores, que justificam luto por décadas, mas, permanentemente, na terra do samba, perde-se o sentido de suas dimensões, pois as dores, muitas vezes, estão circunscritas em lares “lá de longe”.1 15
Está cada vez mais complexo fazer o povo acreditar que aquelas imagens e relatos aterrorizantes da Itália, com filas de corpos em hospitais e gente chorando em sacadas de prédios, agora acontecem em Manaus, em Belém, em Recife, em São Paulo, por todo lado e, cada vez mais, perto das nossas próprias casas.
Aguardamos ansiosos que o Caetano se anime e faça logo uma live, vibramos com a Ivete de pijamas, pulando em casa, esperamos o Zeca Pagodinho se entusiasmar para fazer outra festa ao vivo.
Aos poucos, vamos criando maneiras de nos entreter e quebrar o nosso tédio, organizar a nossa quarentena; o que vamos esquecendo, aos poucos, são os esforços dos trabalhadores essenciais para que não viremos recordistas mundiais de mortos pelo coronavírus.
A nossa inconsciência sobre o número atualizado de óbitos ajuda, e muito, a buscarmos diariamente uma das lideranças mais macabras do século, os campeões da pandemia, a terra mais arrasada do planeta pelo suplício de um bicho invisível a olho nu.
Essa medalha será de Bolsonaro, que devolverá à mídia, certamente, mas será também de cada um que oculta de sua quarentena o angustiante choro de quem teve sua família rompida, de quem passou pelas mãos da morte em UTIs superlotadas.
Não se espera uma estridência, uma depressão coletiva, um coro de lamento ecoando pelas ruas. O que o bom senso aguarda com ansiedade é o momento em que, de fato, os brasileiros vão conseguir entender a dimensão dessas perdas para a nossa história, para a nossa autoestima, para a sustentação e o sustento de milhares de unidades familiares.
É missão, sim, do jornalismo, soltar —e expor— seus melhores profissionais da reportagem atrás de relatos que façam o pensamento se voltar à dor das perdas, que aproximem as realidades de sofrimento de leitos de hospitais das salas ou cozinhas de todo lar.
Mas a cada vez que um novo boletim sobre a ação do coronavírus é divulgado e as autoridades de saúde, entre a vergonha e a decepção, jogam mais almas na conta da irresponsabilidade de não se fazer o óbvio, ficar em casa, é como se uma grande falha de comunicação estivesse posta.
Novas maneiras de tentar fazer acordar o gigante vão surgir todos os dias. O complicado é aguentar a tormenta de seus pesadelos irracionais, que vão esfacelando ânimos e ampliando sofrimentos.
Temos ainda algum tempo, antes de nos tornarmos líderes do ranking da indiferença, para enxergar nossos mortos e para que preservemos mais vidas.
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