Rodolfo Luis Kowalski
É certo que a pandemia de coronavírus tem causado dificuldades para todos. Mas uma parcela em particular da sociedade tem tido problemas e a necessidade de cuidados ainda maiores por conta das restrições e recomendações impostas em decorrência da crise de Covid-19. São as pessoas cegas ou com baixa visão, que no Paraná representam cerca de 3% da população, conforme dados do Censo de 2010.
Imagine, por exemplo, uma caminhada pelas ruas. Para quem tem a visão pode até ser relativamente simples conseguir manter o distanciamento social. Mas e para alguém cego, como manter uma distância considerada segura? E na hora de descer uma escada, como não colocar a mão no corrimão? Vale lembrar que as principais formas de transmissão da Covid-19 são por meio de gotículas de pessoas infectadas e pelo toque em superfícies contaminadas, e as pessoas com problema de visão costumam ter nas mãos uma espécie de substituto dos olhos, um instrumento primordial de percepção.
Diretor do Instituto Paranaense de Cegos (IPC), Ênio Rodrigues da Rosa perdeu a visão em 1994 e comenta que em seus 60 anos de vida nunca havia se deparado com algo parecido a toda essa situação do coronavírus. O uso de luva e máscara, diz ele, ajudam a diminuir os riscos aos quais está exposto, mas o desafio ainda assim é grande no dia a dia e o perigo de contágio, inevitável.
“Quando você fala em cegos, têm coisas que não há como evitar. Eu não tenho como evitar fazer determinados contatos físicos. Na hora de subir um elevador, você vai apertar o botão com cuidado, levando o dedo direto no botão. Eu não tenho condição de fazer isso, preciso de uma exploração tátil maior, deslizar a mão, fazer uma espécie de rastreamento, apalpar até localizar aquilo que de fato preciso. E isso é na vida cotidiana de uma pessoa cega. Em todo lugar, a todo momento, há esse contato físico, o tato, o pegar, apalpar. Eu tenho um contato físico maior e tenho um risco maior, uma exposição maior por causa disso”, afirma.
Veranice Ferreira, que é baixa visão (ainda vê claridade e vulto) e faz parte do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, está desde o dia 17 de março em isolamento, até pelo fato de fazer parte do grupo de risco por conta da idade (pessoas cegas não são consideradas grupos de risco por conta da condição visual em si). Ainda assim, se diz privilegiada. É que ela mora com os filhos e a família tem lhe dado todo o suporte necessário. Infelizmente, no entanto, esta não é a realidade geral.
“Sou uma privilegiada, minha família me dá todo o suporte. Tem um senhor que faz 60 dias que não vê ninguém. Os filhos entregam comida no portão e ele só vai buscar. É difícil”, comenta. “Esses dias tivemos de levar comida também para um casal no Campo Comprido. Eles não saem de casa, não tinham o que fazer. Compramos e o IPC entregou, não tinha outro jeito. Somos uma categoria, para dizer bem verdade, que está meio isolada do mundo com esse negócio da pandemia, perdemos todo o contato.”
Aspecto emocional preocupa o IPC
Veranice Ferreira conta que perdeu a visão há três anos e meio e que, desde então, perdeu também muito de sua vida social, problema que se agrava ainda mais nos casos em que a pessoa fica cega já na fase adulta. Por conta disso, diz ela, é comum que quem tenha deficiência visual acabe criando uma espécie de vida paralela num mundo de cegos, convivendo com outras pessoas que tenham a mesma condição. Como o Instituto Paranaense de Cegos está fechado e há necessidade de isolamento social, contudo, a solidão acaba aumentando.
“Tem que conversar por telefone, mas faz falta [o contato pessoal] e para todo mundo”, diz Veranice. “Cegos têm muita dificuldade. Além da rejeição da sociedade, muitas vezes têm rejeição da própria família”, comenta ainda ela, que é conselheira titular do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Por conta disso tudo, Ênio Rodrigues da Rosa, diretor do Instituto Paranaense de Cegos (IPC), faz questão de passar uma mensagem de resistência e de esperança às pessoas cegas – mais o primeiro do que o segundo, afirma ele. “Tem coisas que não tem como fugir, você tem que resistir. Eu não gostaria disso, mas isso está aí. Vai lidar melhor e fazer uma travessia melhor quem controla melhor os nervos, quem lidar melhor com aspectos emocionais e afetivos.”
Orientações importantes em tempos de pandemia
Sendo evitar o contato uma das principais orientações das autoridades sanitárias para evitar o contágio, o deficiente social acaba tendo de tomar um cuidado mais do que redobrado. Aqueles que usam bengalas, por exemplo, devem higienizá-la. diariamente ou sempre após deslocamento externo. Óculos e lentes devem passar pelo mesmo processo habitualmente e o uso de álcool em gel deve ser reforçado, para que haja limpeza constante das mãos e das superfícies.
Na rua, quando aceitar ajuda, a orientação é para apoiar a mão na parte de trás do ombro, em vez do cotovelo, pois a recomendação é de que, ao tossir e espirrar, as pessoas o façam no antebraço. Também é importante evitar apertos de mão, abraços e beijos no rosto. E depois de ter contato com outras pessoas na rua, lave o rosto com água e sabão, principalmente o nariz, com água em abundância.
População cega
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que constam no Censo de 2010, do total da população paranaense, 16,55% declaram ter algum nível de deficiência visual, sendo que 0,25% declararam ser cegos e 2,83% disseram ter baixa visão ou visão subnormal (grande e permanente dificuldade de enxergar). Hoje, isso seria equivalente a uma população de 29 mil cegos e 323 mil pessoas com baixa visão ou visão subnormal, além de outros 1,5 milhão que relataram ter alguma dificuldade na visão.
ref. Reportagem Bem Paraná 12/05/20
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