Jairo Marques
É uma postura um tanto comum: deixar que sua condição dite as regras e o curso do cotidiano, o traçado da sua trajetória. Assim, há sempre uma desculpa para deixar algo difícil para lá, para adiar tomadas de decisão e, ainda, para mudar o rumo daquilo que não está bom.
Resistir ao comodismo, sobretudo quando se tem algum parafuso solto, uma lataria avariada, é tão importante quanto enfrentar a própria adversidade física, sensorial ou intelectual no intuito de abrir espaço para que se viva bem, se viva como quiser.
Mas a realidade costuma se impor. Aquilo que você não pode, às vezes, soterra a visão para os atalhos, para as adaptações. Com isso, uma pedra no rim vira sempre desculpa para faltar à festança do tio que vai fazer 70 anos, a imobilidade sempre impede de participar da dança, a pressão alta torna-se motivo para nunca experimentar uma emoção.
No começo do ano, catei a mulher e minha menina e fomos refrescar as partes em um desses balneários do interior de São Paulo que agora têm o nome atucanado de parque aquático.
Tudo gostoso, calor estonteante, muita água e eu pensando em como iria curtir tudo a bordo de minha cadeira de rodas que, se mergulhar em uma piscina, se torna mais esculhambada que o carro do Dick Vigarista, da Corrida Maluca. Alguém ainda se lembra disso?
Minha posição inicial na brincadeira foi a de ir levando biscoita no papo. “Filha, você vai curtir as coisas só com a mamãe e papai fica aqui na sombra olhando, tá?”. Obviamente a menina não se satisfez. “Ahhhh, pai. Todo o mundo tem que brincar junto, toda a família!”.
Enquanto eu tentava demover Elis daquela empolgação aquática coletiva, minha mulher –já conhecendo meu jeitinho todo acomodado diante algumas adversidades de viver– aparece com uma cadeira que, jura, pode ser enfiada comigo em qualquer toboágua, bar molhado, cachoeira, piscina de ondas e afins.
A cadeira não era assim preparaaaaada para água, mas resolveu bem a questão. Dei umas afogadinhas básicas, mas o passeio ganhou outro sentido, muito mais caloroso e divertido, quando houve uma mudança de postura minha, devidamente turbinada por minha mulher.
Sendo assim, é sempre importante que os espectadores de situações de comodismo, sem medo e com muita camaradagem, alertem os acomodados das consequências de suas entregas.
Usar uma muleta como justificativa para não brincar de assoviar pode não só comprometer um momento de alegria como apagar de vez no encanto dos passarinhos.
Colocar as possíveis limitações impostas por uma condição humana adversa de qualquer tipo como escudo para tudo no mundo pode desvirtuar personalidades, pode desanimar apostas em potenciais, pode causar danos profundos em relações, objetivos.
Evidentemente é fundamental saber até onde se pode ir com segurança e autonomia diante de sua realidade, mas as fronteiras —muitas vezes imaginárias— de um tido limite não podem bloquear a construção de possibilidades, não podem ser corroídas pela preguiça ou pelo conforto de um sofá quentinho em frente à TV.
Todos nós temos a chance diária de rever a forma como estamos conduzindo nossos barcos. Deixar que eles fiquem sempre na calmaria, com medo da tormenta à frente, pode dar uma sensação gostosa de tranquilidade; por outro lado, evoluir, ser melhor, é algo absolutamente relacionado a se enfrentar e abrir-se para o desconhecido.
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