Jairo Marques
Negra Rosa, 7, pulava e se agitava lindamente, exibindo trancinhas azuis nos cabelos, enquanto acompanhava na praça as marchinhas carnavalescas que sacudiam também um montão de pais e seus filhos em um dos bloquinhos infantis que tomaram conta de São Paulo nos últimos dias.
Não é missão das mais simples levar menino para o Carnaval de rua, afinal, além de uma sacola com itens de primeiríssimos socorros –uma banana para matar a fome após cinco minutos de samba, lencinho umedecido para a lambança e um potão de paciência–, é fundamental ter muita disposição e saber aproveitar a oportunidade para promover uma experiência familiar e de ensino-aprendizagem para os pequenos.
Não é papo furado, não! Ao redor de mim, de minha mulher e de minha filha biscoita, um montão de crianças se enroscava em minha cadeira de rodas para entender como pode um ser todo desajeitado das partes estar em meio à folia. Entre uma admiração e outra, uma pergunta curiosa e outra, a molecada entendia que há formas diferentes de se locomover e sambar e está tudo certo.
Outra maneira de despertar pensamentos inclusivos nos pequenos durante o “Alalaô” de rua é ir curtindo o visual de quem está na brincadeira, ir cantando as marchinhas e explicando que “a cabeleira do Zezé” é do jeito que ele quiser e ninguém tem direito de ficar ofendido por suas orientações de vida.
“Pai, por que aquele rapaz tá de saia e batom, aquele menino vestido de bailarina e aquelas moças, vestidas de piratas, estão beijando na boca?”
“Porque cada um é o que é e faz o que tem vontade, filhota. Você veio de fantasia de abelha por qual razão?”
“Porque eu acho fofo e sou da família das abelhas!” (papai e mamãe também estavam devidamente abelhados).
O que tem me causado mais admiração nos bloquinhos infantis é que parte maior das pessoas, das famílias, parece mesmo estar ali para confraternizar as liberdades e para mostrar a suas crias, o mais cedo possível, que conviver entre as diferenças faz a gente melhor, faz a gente mais sensível às humanidades, abre a mente para possibilidades de pensar de outras formas.
Mas obviamente a festa também já tem seus apelos nada agregadores e edificantes, mas que na mesma toada dos ritmos encantam a criançada.
A maquiagem que borra bem antes de se chegar perto do deserto do Saara sai por R$ 15 e uma balbúrdia de guloseimas muito atrativas e nada saudáveis para a molecada fica bem perto dos olhos, em banquinhas improvisadas em cada canto que resta dos espaços de folia.
Há também uma harmonia um tanto peculiar nos bloquinhos voltados à diversão das crianças, mas vinda dos que aparentam ser adultos: eles demonstram disposição à tolerância e deixam os pequenos passarem na frente até chegarem perto da banda –os ‘malacabados’ de toda ordem, também–, não fazem muitas feiuras nas filas dos banheiros e, pasme você, não brigam por política nem reclamam de choro de nenê.
Todo o respeito a quem detesta este período brasileiríssimo do ano e está como um maribondão preto de raiva, como diria minha tia Filinha, pela alteração da rotina nas cidades onde a folia acontece.
Mas qualquer oportunidade de fomentar uma infância mais brincante, com mais oportunidade de conhecer distintas realidades e pessoas, será recompensada com avanço humano e habilidades para um bom remelexo para o resto dos dias.
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