Jairo Marques
Tenho em mim uma latente forma Pollyanna de pensar a vida, uma forma que é também meio Cremilda Medina, icônica professora da Escola de Comunicação e Artes da USP, que atormenta jornalistas que passam por seu caminho, insistindo para que sempre pensem no humano dentro da notícia, qualquer notícia.
Particularmente, senti que a manchete desta terça-feira (29), da Folha, deixou a desejar um afago mínimo ao prefeito, à sua família e ao leitor mais “sensível” quando diz: “Bruno Covas tem câncer, e Prefeitura de SP é dilema”.
Embora eu entenda o apelo noticioso e se justifique a situação de preocupação coletiva com o futuro da cidade, trata-se de um homem jovem, disposto, em seu primeiro enfrentamento do câncer, recebendo atendimento de primeiro mundo. Merecia ler algo mais alentador.
O enunciado e seu complemento trazem uma incômoda aproximação do diagnóstico à morte, à quebra da rotina da cidade, à necessidade urgente de pensar uma saída para a administração pública à beira da deriva.
Os maiores especialistas em câncer do mundo sempre repetem que o comportamento da doença pode ser, em partes, determinado pelo clima que cerca a pessoa diagnosticada.
Os que são positivos, têm ânimo de enfrentamento, têm motivação e apoio para seguir adiante, têm fé podem atingir resultados que vão embasbacar qualquer tomógrafo.
Se um grande jornal tem por princípio ser isento, objetivo e coletivo, penso que nada disso o impeça de ser também positivo, acolhedor com dores alheias, sensível diante momentos humanos extremos, afinal era o primeiro dia de anúncio oficial do câncer no trato digestivo de Covas, que já informou que vai “pra cima” da tumoração.
Volto a frisar que não desdenho da preocupação com os rumos da direção da maior cidade do país, mas essa desenhada fragilidade se fez muito rapidamente em uma cidade que resiste a tormentas diuturnas.
Os casos de pessoas que seguiram tocando suas vidas e seus compromissos carregando neoplasias de toda ordem até o máximo que puderam são recorrentes.
Os tempos mudaram e não tem mais essa de leão que machucou a pata não pode mais defender seu bando e tem de se retirar ao ostracismo. Vivemos o momento da diversidade em que quaisquer experiências podem somar, fazer a diferença e fazer melhor.
Por outro lado, no atual clima belicoso que se experimenta hoje, sobretudo para quem habita e se arrisca em redes sociais, teria sido um golaço dar uma ligeira demonstração de empatia diante da situação do prefeito.
Se há nestes pensamentos aspectos que façam parecer que se quer dourar a pílula ou ocultar a realidade dos fatos, vou me atrever a dizer que a comunicação de alto nível não pode se dissociar de tênues e legítimas sensações plurais, como o poder da esperança, da solidariedade e do espírito de colaboração.
Ao mesmo tempo que o ofício jornalístico tem o dever de revelar mazelas, de cobrar do poder público avanços de toda ordem, de fiscalizar o bom andamento social em todos os seus eixos, ele também mobiliza para o justo, alerta para boas promessas do porvir e destaca a poesia de Drummond. Sugiro que se leia “Os Ombros Suportam o Mundo”.
Ao Bruno Covas, às pessoas que estão entrando no acirrado enfrentamento ao câncer, que haja conforto de toda ordem, sobretudo à mente e à alma. Tenham o seu tempo, vivam bem suas histórias, façam a história dos outros melhor.
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